22/03/2006

A Esquerda e o Conceito de Classe: Parte II

Thomas Sowell

Alguém, certa vez, definiu um problema social como uma situação em que o mundo real contradiz as teorias dos intelectuais. Para a intelligentsia, continua o dito, é o mundo real que está errado e que precisa ser mudado.

Tendo imaginado um mundo em que cada indivíduo tem a mesma probabilidade de sucesso, os intelectuais ficam chocados e irados porque o mundo real não passa nem perto desse ideal. Uma vasta quantidade de tempo e recurso tem sido devotada a tentar descobrir o que está impedindo o ideal de ser realizado – como se houvesse alguma razão para que ele ser realizasse.

Apesar de todas as palavras e números que surgem nas discussões dessas situações, os termos usados são tão descuidados e ambíguos que é difícil saber até quais são os problemas e, muito menos, como resolvê-los.

Em maio passado, tanto o New York Times(NYT) quanto o Wall Street Journal(WJS) estamparam nas suas primeiras páginas histórias sobre diferenças de mobilidade de classe. O artigo do NYT foi o primeiro de uma longa série que ainda continua, um mês depois[1]. Ambos os jornais chegaram a conclusões similares, baseadas no mesmo uso ambíguo da palavra ‘mobilidade’.

O NYT se referiu à ‘possibilidade de ascender de uma classe para outra’ e o WSJ se referiu às ‘chances de uma criança nascida na pobreza chegar à riqueza’. Mas a probabilidade de alguma coisa não acontecer não é medida da inexistência de oportunidades.

Alguém que visse eu e Michael Jordan, quando jovens, jogarmos basquetebol teria visto chances de um bilhão para um a favor de ele chegar à NBA, em relação a mim. Isso significa que a mim foi negada a oportunidade ou o acesso, que houve barreiras levantadas contra mim, que o ‘jogo’ não era justo?

Ou isso significa que Michael Jordan, -- e virtualmente qualquer um – jogava basquetebol melhor que eu?

Uma imensa literatura sobre mobilidade social, freqüentemente, presta pouca ou nenhuma atenção ao fato de que indivíduos e grupos diferentes têm diferentes habilidades, desejos, atitudes e numerosos outros fatores, incluindo sorte. Se a mobilidade for definida como sendo liberdade de movimento, então, todos podemos ter a mesma mobilidade, mesmo que alguns se movam mais rápido que outros e que alguns nem mesmo se movem.

Um carro capaz de fazer 160 km/h pode ficar parado numa garagem o ano todo sem se mover. Mas isso não significa que ele não tenha mobilidade.

Quando cada indivíduo e cada grupo trilham a longa sombra de sua história cultural, é improvável que eles queiram fazer as mesmas coisas, muito menos que eles estejam dispostos a empreender os mesmos esforços e fazer os mesmos sacrifícios para atingirem os mesmos objetivos. Muitos são como o carro que está parado na garagem, mesmo sendo capaz de correr a 160 km/h.

Contanto que cada geração crie seus próprios filhos, indivíduos de diferentes origens serão criados com diferentes valores e hábitos. Mesmo num mundo sem nenhuma barreira para a mobilidade ascendente, eles se moveriam a diferentes velocidades e em diferentes direções.

Se há menos movimento ascendente hoje em dia do que no passado, isso não é uma prova de que barreiras externas são as responsáveis. O estado de bem-estar social e o multiculturalismo reduzem os incentivos do pobre na direção da adoção de novas formas de vida que os ajudariam a subir os degraus econômicos. A última coisa que o pobre precisa é uma outra dose de tal remédio contra-produtivo esquerdista.

Muitas comparações de ‘classes’ são, de fato, comparações de indivíduos em diferentes faixas de renda – mas, a maioria dos americanos se move dos 20% mais baixos para os 20% mais altos, com o tempo.

Mesmo assim, aqueles que estão obcecados com o conceito de classe tratam os indivíduos em diferentes faixas como se eles fossem classes e estivessem permanentemente presas nessas faixas.

A série de reportagens do New York Times aborda ainda, em grande estilo, as disparidades de renda e estilo de vida entre o rico e o super-rico. Mas, é difícil ficar sensibilizado com algum pobre diabo que voa em seu velho teco-teco, enquanto alguém, bem acima na escala de renda, voa um ou dois quilômetros acima, com seu jato luxuoso.

Somente se tiver tomado uma overdose de ‘disparidades’, você se indignará com coisas desse tipo.


Publicado por Townhall

[1] Este artigo foi escrito em junho de 2005. (N. do T.)

14/03/2006

A Esquerda e o Conceito de Classe

Thomas Sowell

A nova trindade santa dos intelectuais de esquerda é raça, classe e gênero. Definir qualquer desses termos não é fácil, exceto para os esquerdistas que, muito raramente, se preocupam com isso.

O mais antigo, e talvez ainda o mais importante, desses conceitos é o de classe. Na visão da esquerda, nascemos, vivemos e morremos numa determinada classe – a menos, claro, que entreguemos o poder à esquerda para mudar tudo isso.

As mais recentes estatísticas usadas para apoiar a visão de uma América (e outros países ocidentais) dividida em classes mostram que a maioria das pessoas, numa determinada faixa da distribuição de renda, são filhos de outras pessoas nascidas na mesma faixa da distribuição.

Entre os homens nascidos em famílias nos últimos 25% da distribuição de renda, apenas 32% conseguem ascender à metade superior da distribuição. Entre os homens nascidos em famílias nos primeiros 25%, apenas 34% descem para a metade inferior.

O quanto isso é surpreendente?

Mais especificamente, isso mostra que o indivíduo fica preso à pobreza ou pode passar a vida dependendo de seus pais? Isso mostra que a ‘sociedade’ nega ‘acesso’ aos pobres?

Será que isso poderia indicar que o tipo de valores e de comportamento que levam uma família a ter sucesso ou a fracassar são passados para seus filhos e os levam, também, a ter sucesso ou a fracassar? Em caso afirmativo, o quanto políticas governamentais – de esquerda ou conservadoras – podem mudar, fundamentalmente, a situação?

Uma estória recente que tenta mostrar que a mobilidade social ascendente é um ‘mito’ na América nota, en passant, que muitos imigrantes recentes e seus filhos tiveram ‘uma mobilidade ascendente extraordinária’.

Se essa sociedade estratificada em classes nega ‘acesso’ à ascendência social àqueles na base da pirâmide, por que os imigrantes podem chegar aqui na base e subir ao topo?

Uma razão óbvia é que muitos imigrantes pobres chegam com valores e ambições muito diferentes daqueles dos pobres americanos, nascidos em nosso estado de bem-estar social e imbuídos de noções vindas de atitudes de dependência e ressentimento em relação ao sucesso dos outros.

A razão fundamental de muitos não ascenderem não é que as barreiras de classe os impedem, mas que eles não desenvolvem as habilidades, valores e atitudes que são a causa da ascensão social.

Um estado de bem-estar social significa que eles não têm de – e o multiculturalismo de esquerda afirma que eles não precisam de – mudar seus valores, pois, uma cultura é tão boa quanto outra qualquer. Em outras palavras, a esquerda não é parte da solução, mas do problema.
O racismo supostamente coloca barreiras insuperáveis no caminho dos não brancos, então, por que se matar tentando? Essa é outra mensagem fatal, especialmente para os jovens.

Mas, se imigrantes da Coréia e da Índia, se os refugiados vietnamitas e outros podem vir para cá e subirem a escada, apesar de não serem brancos, por que americanos na base da pirâmide – brancos ou negros – estão fadados a lá permanecerem?

As mesmas atitudes contra-produtivas e autodestrutivas em relação à educação, ao trabalho e à civilidade existentes em muitos guetos americanos podem, também, ser encontrados nas comunidades britânicas das classes inferiores. Quem duvidar deve ler o livro do Dr. Theodore Dalrymple, ‘Life at the Bottom (Vida da Classe Inferior)’, sobre as comunidades de brancos pobres nas quais ele trabalhou.

Essas comunidades caóticas e violentas na Inglaterra não têm a desculpa do racismo e o legado da escravidão. O que elas têm em comum com as comunidades similares nos EUA é a semelhante confiança no estado de bem-estar social e um conjunto similar de intelectuais dando desculpas para seu comportamento e denunciando qualquer um que deseje delas uma mudança de comportamento.

O recente conjunto de estatísticas estimulou ainda mais os intelectuais a culparem a ‘sociedade’ pelo fracasso, na ascensão, de muitas pessoas na base da pirâmide social. Realisticamente, se quase um terço dos nascidos em famílias no quartil inferior de renda conseguem chegar ao topo, esse não é um dado ruim.

Se mais estava sendo conseguido no passado, isso não significa, necessariamente, que a ‘sociedade’ os estão impedindo mais, atualmente. Isso pode muito bem ser devido ao estado de bem-estar social e à ideologia esquerdista que fazem menos necessário a eles uma mudança de seus próprios comportamentos.



Publicado por Townhall

10/03/2006

Teoria Materialista da História[1]

G. K. Chesterton


A teoria materialista da história – que afirma que toda a política e a ética são expressões da economia – é uma falácia, de fato, muito simples. Ela consiste, simplesmente, em confundir as necessárias condições de vida com as normais preocupações da vida, que são coisas muito diferentes. É como dizer que porque o homem pode andar somente sobre duas pernas, então, ele só pode caminhar se for para comprar meias e sapatos. O homem não pode viver sem os amparos da comida e da bebida, que os suporta sobre duas pernas; mas, sugerir que esses têm sido os motivos para todos os seus movimentos na história é como dizer que o objetivo de todas as suas marchas militares ou peregrinações religiosas deve ter sido a Perna Dourada da Senhora Kilmansegg ou a perfeita e ideal perna do Senhor Willoughby Patterne. Mas, são esses movimentos que constituem a história da espécie humana e sem eles não haveria praticamente história. Vacas podem ser puramente econômicas, no sentido de que não podemos ver que elas façam muito mais do que pastar e procurar o melhor lugar para isso; e essa é a razão pela qual a história das vacas em doze volumes não seria uma leitura estimulante. Ovelhas e cabras podem ser economistas em suas ações externas, pelo menos; mas, essa é a razão das ovelhas dificilmente serem heróis de guerras épicas e impérios, importantes suficientes para merecerem uma narração detalhada; e mesmo o mais ativo quadrúpede não inspirou um livro para crianças intitulado Os Feitos Maravilhosos das Cabras Galantes.

Mas, com relação a serem econômicos os movimentos que fazem a historia do homem, podemos dizer que a história somente começa quando os motivos das ovelhas e das cabras deixam a cena. Será difícil afirmar que os Cruzados saíram de suas casas em direção a uma horrível selvageria da mesma forma que as vacas tendem a ir das selvas para pastagens mais confortáveis. É difícil afirmar que os exploradores do Ártico foram em direção ao norte imbuídos dos mesmos motivos materiais que fizeram as andorinhas ir para o sul. E se deixarmos, de fora da história humana, coisas tais como todas as guerras religiosas e todas a aventuras exploratórias audaciosas, ela não só deixará de ser humana, mas deixará de ser história. O esboço da história é feito dessas curvas e ângulos decisivos, determinados pela vontade do homem. A história econômica não seria sequer história

Mas há uma falácia mais profunda além deste fato óbvio; os homens não precisam viver por comida meramente porque eles não podem viver sem comida. A verdade é que a coisa mais presente na mente do homem não é a engrenagem econômica necessária a sua existência, mas a própria existência; o mundo que ele vê quando acorda toda manhã e a natureza de sua posição geral nesse mundo. Há algo que está mais próximo dele que a sobrevivência e esse algo é a vida. Pois, tão logo ele se lembre qual trabalho produz exatamente seu salário e qual salário produz exatamente sua refeição, ele reflete dez vezes que hoje é um dia lindo, ou que este é um mundo estranho, ou se pergunta se a vida vale a pena ser vivida, ou se seu casamento é um fracasso, ou se ele está satisfeito ou confuso com seus filhos, ou se lembra de sua própria juventude, ou ele, de alguma forma, vagamente revê o destino misterioso do homem.

Isso é verdade para a maioria dos homens, mesmo para os escravos assalariados de nosso mórbido industrialismo moderno, que pelo seu caráter hediondo e sua desumanidade tem, realmente, posto a questão econômica em primeiro plano. É muito mais verdade para os numerosos camponeses, caçadores e pescadores que constituem a massa real da humanidade. Mesmo aqueles áridos pedantes, que pensam que a ética depende da economia, devem admitir que a economia depende da existência. E nossos devaneios e dúvidas cotidianos são sobre a existência; não sobre como podemos viver, mas sobre porque vivemos. E a prova disso é simples; tão simples quanto o suicídio. Vire o universo de cabeça para baixo em sua mente e você virará todos os economistas de cabeça para baixo. Suponha que um homem deseje morrer e que o professor de economia se torne um tédio com sua elaborada explicação de como ele deve viver. E todas as iniciativas e decisões que fazem do nosso passado humano uma história têm esse caráter de desviar o curso direto da pura economia. Tal como o economista deve ser desculpado por calcular o salário de um suicida, ele deve também ser desculpado por prover uma pensão de aposentadoria para um mártir. Tal como ele não precisa se preocupar com a pensão de um mártir, ele não deve se preocupar com a família de um monge. O plano do economista é modificado por insignificantes e variados detalhes como no caso de um homem ser um soldado e morrer pelo seu próprio país, de um homem ser um camponês e amar especialmente sua terra, de um homem ser mais ou menos influenciado por qualquer religião que proíba ou permita isso ou aquilo. Mas tudo isso se resume não a um cálculo econômico sobre despesas, mas a uma elementar consideração sobre a vida. Tudo isso se resume ao que o homem fundamentalmente sente, quando ele contempla, dessas janelas estranhas que ele chama os olhos, essa estranha visão que ele chama o mundo.





[1] Excerto do capítulo VII (‘The War of the Gods and Demons’ – A Guerra dos Deuses e Demônios) do livro ‘The Everlasting Man’ (O Homem Eterno). Quem se interessar pode ‘baixar’ uma cópia grátis desse livro, em inglês, do sítio The On-Line Books. Até onde eu sei, há uma tradução desse livro para o português, pela Editora Quadrante, que está fora de catálogo no momento. Eu não a conheço. (N. do T.)