18/12/2007

Mensagem de Natal de 2007

Uma leitora anônima acaba de colocar um comentário na mensagem de Natal que postei neste blog em 2006. Diz ela:

“não entendo nada, mas aqui vai uma perguntinha: porque nós andamos por aqui sem saber o que estamos a fazer? não sabemos de nada, não entendemos nada,e esse tal de cristo ,nunca aparece por aqui para que agente possa dar-lhe um bom dia perguntar se ele está bem lá onde ele anda. deixou agente sozinhos por aqui e quer que agente esteja sempre rezar gostaria muito de uma explicação. vós que sabeis de tudo explique. obrigada”

A ironia da leitora trai seu mais profundo desespero e é a esse desespero que eu quero responder. A resposta será a mensagem do Natal 2007 aos leitores deste blog. O texto da mensagem é de C.S. Lewis e é parte do capítulo 5 de seu extraordinário “Mero Cristianismo”, edições Quadrante. Atente bem leitora para os últimos parágrafos deste belíssimo texto de Lewis. Recomendo também o texto de Gustavo Corção intitulado Se Ele não tivesse vindo.

“Cristo levou a cabo a rendição e a humilhação perfeitas: perfeitas porque era Deus, rendição e humilhação porque era homem. Ora, a fé cristã diz-nos que, se de alguma forma participarmos da humilhação e dos sofrimentos de Cristo, participaremos também da sua vitória sobre a morte e encontraremos, após o fim dos nossos dias, uma vida nova na qual nos tornaremos criaturas perfeitas e perfeitamente felizes.

“Isto significa algo muito mais importante do que simplesmente tentarmos seguir os ensinamentos de Jesus. As pessoas perguntam muitas vezes quando acontecerá o ‘próximo passo’ na evolução, o passo em direção a alguma coisa para além do humano. Mas, do ponto de vista cristão, esse passo já foi dado. Em Cristo, surgiu uma nova espécie de homem, e resta agora que o novo tipo de vida que se iniciou com Ele nos seja transmitido.

“Há três coisas que fazem a vida de Cristo chegar até nós: o Batismo, a Fé e esse mistério que diferentes grupos cristãos designam com nomes diferentes – a Sagrada Comunhão, a Missa, a Ceia do Senhor.

“Quanto a mim, confesso que não consigo entender por que precisamente essas três coisas – o Batismo, a Fé e a Sagrada Comunhão – deveriam ser os canais de propagação da nova vida; como aliás, se não mo tivessem explicado, também não teria compreendido nuca a conexão que há entre determinado prazer físico e o aparecimento de um novo ser humano sobre a terra.

“Mas não pense o leitor que eu esteja afirmando que o Batismo, a Fé e a Sagrada Comunhão são meios que venham a substituir os seus esforços pessoais por imitar Cristo. Você recebeu a vida natural dos seus pais, mas isso não significa que continuará a dispor dela se não fizer nada por preservá-la; pode perdê-la por negligência ou lançá-la for apelo suicídio. Tem de alimentá-la e cuidar dela, sem nunca perder de vista que não é você quem dá essa vida a si próprio, mas apenas conserva algo que lhe foi entregue por outras pessoas. Da mesma forma, um cristão pode vir a perder a vida de Cristo que lhe foi dada, e tem de esforçar-se por preservá-la, sem nunca esquecer que nem sequer o melhor cristão do mundo tem essa vida por si mesmo; apenas alimenta ou protege uma vida que nunca poderia ter adquirido graças aos seus próprios esforços.

“Por isso, o cristão está numa situação diferente da de outros homens que também se esforçam por ser bons. Estes esperam agradar a Deus, se é que ele existe, pelo seu bom comportamento; e, se pensam que Ele não existe, esperam pelo menos merecer a aprovação dos homens bons. Já o cristão reconhece que todo o bem que faz procede da vida de Cristo que traz dentro de si. Sabe que Deus não nos ama por sermos bons, mas que nos fará bons porque nos ama.

“Quero deixar bem claro que, quando os cristãos dizem que a vida de Cristo está neles, não se referem apenas a alguma operação mental ou moral. Quando proclamam que estão ‘em Cristo’ ou que Cristo está ‘neles’, não querem dizer simplesmente que pensam em Cristo ou procuram imitá-lo. Querem dizer que Cristo está ‘realmente’ atuando através deles; que toda a massa dos cristãos é o organismo físico através do qual Cristo atua; que eles são – nós somos – os dedos de Cristo e os seus músculos, as células do seu corpo.”

“Bem, na verdade os cristãos crêem que Ele desembarcará uma segunda vez com todo o seu poderio; só não sabemos quando. Mas podemos muito bem adivinhar por que está atrasando sua vinda; é que deseja dar-nos a oportunidade de aderir livremente a Ele.

“Sim, Deus voltará em triunfo. Só não sei se as pessoas que exigem dEle uma intervenção aberta e direta no nosso mundo realmente compreendem o que isso significará, quando acontecer. Porque, quando acontecer, significará o fim do mundo. No momento em que o autor de uma peça de teatro sobe ao palco, é porque a peça terminou.

“Hoje, agora, este momento: esta é a hora para escolhermos o lado certo. Deus ainda se mantém oculto justamente para nos dar essa oportunidade. Não o fará para sempre. Devemos aceitá-lo ou rejeitá-lo.”

Que o Altíssimo nos faça merecedores dessa nova vida que seu Divino Filho veio nos trazer. É o que eu desejo a todos os leitores deste blog.

15/12/2007

Os baby boomers devem uma desculpa aos nossos jovens

Dennis Prager


Vivemos em um tempo em que grupos pedem desculpas a outros grupos. Gostaria de adicionar mais um caso desses. A geração baby boomer[1] precisa pedir desculpas, especialmente aos jovens, pelos seus muitos pecados. Aqui vai uma lista parcial:

Primeiramente, e talvez principalmente, pedimos desculpa por termos roubado de vocês a infância.

Nós, baby boomers, tivemos provavelmente a mais inocente das infâncias que a história conheceu. Crescemos sem necessidades materiais, em um dos mais decentes lugares no mundo, com uma mídia que preservava nossa inocência sexual e outras inocências, em escolas que geralmente nos ensinavam bem, e brincávamos da forma mais inocente, menino com menina e menino com menino. Nossa geração impediu vocês de tudo isso. E mesmo conscientes da ameaça de uma guerra nuclear contra a União Soviética, poucos de nós estávamos temerosos por nossas vidas como hoje estão vocês com os perigos, de que convencemos vocês, sobre ser fumantes passivos, sobre o aquecimento global e sobre a AIDS entre os heterossexuais, só para mencionar uns poucos temores mortais exagerados que infligimos em vocês.

Nossa geração criou dois slogans verdadeiramente idiotas que terminaram roubando suas infâncias.

Um deles dizia, “Não acredite em ninguém acima dos 30 anos”. Nossa atitude infantil em relação à autoridade fez um grande mal a vocês. Por causa disso, muitos baby boomers decidiram não se tornar adultos, e isso teve conseqüências desastrosas em suas vidas. Isso retirou de vocês uma das maiores necessidades de suas vidas – os adultos. Isso, por sua vez, retirou de vocês algo tão importante quanto o amor – a autoridade de seus pais e de outros adultos. Com pequena autoridade dos pais, você foi deixado com sua insegurança pessoal, com poucas proteções e com um senso de ordem diminuído em suas vidas. E transferimos essa negação da autoridade para virtualmente todas as autoridades, de professores à polícia.

O outro slogan cujas horríveis conseqüências nós, baby boomers, deixamos de herança para vocês foi, “Faça amor, não faça guerra”. Nossos pais libertaram o mundo de um dos mais perigosos e imensamente cruéis regimes assassinos instalados na Alemanha e Japão – somente graças à guerra. Mas ao invés de concluirmos que a guerra fez um grande bem moral, nós cantávamos idiotamente letras insanas como “Dê uma chance à paz”, como se isso pudesse enfrentar um dos mais monstruosos males do mundo. Assim, ensinamos a vocês a fazer amor e não a guerra. E logramos êxito.

Fizemos de vocês indivíduos anti-guerra e quase completamente sexualizados em suas vidas. Dissemos a vocês que fazer sexo era muito bom, até mesmo na adolescência, e que as únicas coisas com que se preocupar eram as doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez. E se vocês se engravidassem, nós nos asseguramos que vocês pudessem extinguir a vida que carregavam na barriga tão facilmente e sem culpa quanto possível.

Começamos por ensinar a vocês sobre sexualidade e homossexualidade no primário e ensinamos como usar caminhas em bananas. É verdade que não crescemos aprendendo essas coisas – certamente nossas escolas nunca nos ensinaram tais coisas – mas isso por causa, tal o considerávamos, daqueles ridículos, senão conservadores, anos 1950 e 1960. Desprezávamos nossos pais por acreditarem que “Father Knows Best”, “Leave It to Beaver” e “Superman” – com o slogan “verdade, justiça e american way” – eram coisas boas para os jovens assistirem. Então substituímos isso tudo pelos entorpecentes shows da MTV de três segundos de imagens saturadas de sexo. Desculpem-nos.

Também fizemos vocês mais fracos. Fizemos o possível para assegurar que vocês não sentissem nada doloroso. Algumas vezes mudamos resultados de jogos se um time estava ganhando de um placar muito grande; abolimos o dodgeball para que ninguém sofresse se fosse eliminado muito cedo do jogo; dávamos troféus a todos vocês que tivessem jogado basebol, não importando que você e seu time tivesse jogado mal, para que vocês não sofressem vendo somente o outro time ganhar o prêmio. Muito disso foi graças ao movimento auto-estima-sem-fazer-por-onde, que em nossa quase infinita falta de sabedoria nós infligimos em vocês. Desculpem-nos por isso também.

Também nos desculpamos por quase arruinarmos tantas escolas e universidades. Apesar de somas de dinheiro sem precedentes que os EUA gastavam em educação, a maioria de vocês tiveram uma educação muito inferior àquela que tivemos, com apenas uma fração do custo. Mas considerávamos nossos professores uns idiotas (eles tinham, afinal, mais de 30 anos) que se concentravam na leitura, na arte de escrever e na aritmética (e história, música e arte). Tínhamos a certeza que tínhamos razão e portanto nos concentramos em questões sexuais, e ensinamos a vocês sobre a paz, o aquecimento global e os horrores do fumo. O fato de que poucos secundaristas graduados conseguem identificar Mozart, muito menos foram expostos à sua música, é muito menos significante para muitos baby boomers do que nosso conhecimento dos alegados perigos enfrentados pelos fumantes passivos. Muitos de vocês não conseguem identificar também Stalin, e nos desculpamos por isso, também. Mas, olhe, nós nos asseguramos de que vocês assistiram o filme do Al Gore.

E uma real desculpa àqueles de vocês se viciaram em drogas. Apesar da escolha em usar drogas é sua responsabilidade, foi nossa geração que as romantizou e as fez uma coisa “legal”. “Expansão da mente” era a nossa expressão. Mas elas não expandiram as mentes, elas as destruíram. Desculpem.

E jovens mulheres, nós pedimos desculpas especialmente a vocês. Muitos de nós, baby boomers, compramos a idéia feminista de que casar e formar família com um homem era muito menos satisfatório que o sucesso na carreira e que o próprio casamento é “sexista” e “patriarcal”. Então, àquelas de vocês mulheres que têm uma carreira de sucesso e não se casaram, nós sinceramente pedimos desculpas. É que muitas carreiras terminaram não sendo tão satisfatórias quanto prometemos.

Assim, nós realmente arrasamos, e, o que é ainda mais extraordinário, poucos de nós mudamos de idéia. Muitos ficam mais sábios com a idade. Mas não aqueles de nós baby boomers que ainda acreditamos nessas coisas. Claro, muitos de nós nunca compramos essas horríveis idéias que tanto feriram vocês e nosso país, e alguns de nós crescemos. Mas muitos de nós ainda falamos, pensamos, nos vestimos e amaldiçoamos da mesma forma que fazíamos nos anos 1960 e 1970. E estamos ainda lutando contra o que consideramos o Eixo do Mal: o racismo americano, o sexismo e o imperialismo.

Mas, para aqueles de nós que conhecemos o estrago que os baby boomers, como um todo, fizeram a vocês, nossas mais sinceras desculpas.



[1] Geração que nasceu no pós-guerra até meados da década de 1960. (N. do T.)


Publicado por Townhall.com

03/12/2007

Americanos, eis aqui seus candidatos democratas à presidência

Dennis Prager



Se você deseja conhecer em que os candidatos democratas à presidência e o Partido Democrata acreditam, os debates, não raro ridicularizados como intelectualmente inconseqüentes, revelam muito. O problema é que a mídia quase nunca publica as mais importantes afirmações feitas pelos candidatos. Eis aqui, então, algumas dessas afirmações, tomadas do mais recente debate, seguidas de um comentário sobre seu significado.

Joseph Biden, sobre como ele trataria a Rússia: “Quem entre nós vai pegar o telefone e imediatamente falar com Putin e dizê-lo para se retirar da Geórgia, pois [presidente] Saakashivili está realmente encrencado.”

O senador Biden, diz que pegaria o telefone e diria ao presidente russo para se “retirar” um país vizinho. Uma das principais críticas dos democratas à administração Bush não é exatamente que ela tem feito uma “diplomacia de cowboy”? E qual a resposta que o senador Biden esperaria de Putin? “Sim, presidente Biden, seja feita a vossa vontade”. E são eles que dizem que o presidente Bush está desligado da realidade.

John Edwards, sobre a fome nos EUA: “Trinta e cinco milhões de americanos passaram forme, ano passado … O tema desta eleição será as 35 milhões de pessoas que passam fome todos os anos.”

Não há nenhuma verdade nessa acusação contra os EUA. O único fundamento para isso é um Relatório do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) dizendo que 35 milhões de americanos experimentaram uma “insegurança alimentar domiciliar” em 2006. Esse termo não significa, enfatiza o USDA, fome, mas ser forçado a reduzir a “variedade da dieta” ou comer “uns poucos alimentos básicos” em vários períodos do ano. Se um país pudesse processar alguém por difamação, os EUA deveriam abrir um processo contra o Sr. Edwards.

Barack Obama, sobre conceder a carteira de motoristas a imigrantes ilegais: “Quando fui senador por Illinois, votei para que os estrangeiros ilegais fossem treinados, conseguissem uma carteira, conseguissem um seguro saúde, tudo em nome da segurança pública. Essa era minha intenção.”

Obama, sobre não conceder a carteira de motoristas a imigrantes ilegais: “Não estou propondo que isso seja feito. O que estou dizendo é que não podemos – [interrompido por risadas]. Não, não, não, não, veja, eu já disse que eu apoio a nossa idéia de tratar a segurança pública e a concessão de carteiras de motorista em nível estadual, o que pode dar resultados. Mas o que também digo, Wolf [Blitzer], é que se continuarmos sendo distraídos por esse problema não teremos como resolvê-lo”

Qual é exatamente a posição do senador Obama sobre conceder a carteira a imigrantes ilegais? Claramente, ele é a favor e contra. Mas, ainda mais importante, ele é contra ser distraído por isso.
Dennis Kucinich, sobre conceder carteiras de motorista a imigrantes ilegais: “Discuto sua descrição das pessoas como sendo imigrantes ilegais. Em primeiro lugar, não há seres humanos ilegais.”

Quem disse algo sobre “seres humanos ilegais”? “Imigrante ilegal” descreve o status de imigração de alguém, não sua humanidade. Tal afirmação confunde o discurso público.

Hillary Clinton (discursando no Paquistão), sobre a ligação entre a democracia num país islâmico e a segurança americana: “Há uma clara conexão entre um regime democrático e a elevada segurança dos EUA.”

Não é isso precisamente o que o presidente Bush tem dito por anos sobre o Iraque? E não é exatamente essa idéia que os democratas tem desprezado?

Bill Richardson, sobre estratégia militar no Iraque não estar funcionando: “Não devíamos estar falando sobre o número de mortos. A morte de um americano já é excessiva.”

Ao analisar o sucesso de uma mudança de tática militar, um homem que pretende ser o comandante-em-chefe diz que “não devíamos estar falando sobre o número de mortos.” E por quê? Porque “a morte de um americano já é excessiva.” Se alguém tivesse perguntado ao Gov. Richardson sobre se uma nova política de tráfego, que reduzissem grandemente as fatalidades do trânsito, estivesse dando certo, ele responderia, “Não devíamos estar falando sobre o número mortos ... a morte de um americano já é excessiva.”

Obama, sobre o mesmo tema (Blitzer: “Colocarei a mesma questão para o senhor: A estratégia do General Petraeus está funcionando?”): “Não há dúvidas de que porque enviamos tropas ao Iraque -- mais tropas americanas ao Iraque, que estão fazendo um magnífico trabalho e uma diferença em certas localidades. Mas a estratégia geral é um fracasso, pois não temos visto uma mudança de comportamento dos líderes políticos iraquianos. E essa é a essência do que deveríamos estar tentando fazer no Iraque.”

A “essência” do que as tropas fazem em guerra é vencer o inimigo. O que “uma mudança de comportamento dos líderes políticos iraquianos” tem a ver com a questão a respeito do aumento de tropas estar funcionando?

Clinton, sobre se ela explorará, na eleição, o fato de ser mulher: (Campbell Brown: “Senadora Clinton, a senhora visitou sua alma mater recentemente, Wellesley College, e disse lá que sua experiência a preparou para competir em qualquer ‘clube de meninos’ da política presidencial. Ao mesmo tempo, sua campanha tem acusado esses ‘clubes de meninos’ de estarem exagerando seus ataques contra a senhora. E então seu marido recentemente veio em sua defesa dizendo que os ‘meninos’ estão se tornando agressivos com a senhora e alguns têm sugerido que a senhora, que a sua campanha, que seu marido estão explorando o gênero como uma questão política durante a campanha presidencial. O que está realmente acontecendo?”): “Bem, eu não estou explorando nada, absolutamente. Não estou usando, como alguns dizem, the gender card ....”

À luz da questão, deixarei ao leitor a determinação da credibilidade da negação.

Richardison, sobre se ele retiraria do Iraque todas as empresas contratadas pelo governo (“O senhor sabe que senador Obama disse que retiraria todas as empresas privadas contratadas, se ele fosse presidente. Mas sabendo quão sobrecarregados nossos militares estão, o senhor acha essa uma solução prática?”): “Sim. Eu retiraria os contratados.”

A quem, então, o senador Obama e o governador Richardson entregariam a reconstrução do Iraque?

Obama, sobre a elevação a alíquota de imposto de segurança social dos americanos: “O que podemos fazer é apenas ajustar a faixa máxima do imposto ... Entenda que somente 6% dos americanos ganham mais de US$ 97.000 por ano, apenas 6% não pertencem á classe média – são a classe rica.”

Segundo o senador Obama, uma família de quatro pessoas cujo rendimento bruto anual é de US$ 96.000 é rico. Todos os americanos deveriam entender a quem os democratas consideram “rico”, quando eles falam de aumentar os impostos para “os ricos”.

Clinton, Obama e Edward, sobre o aborto como questão de privacidade (“Senadora Clinton, seria uma condição sine qua non para a senhora que todos que a senhora nomear para a Suprema Corte compartilhe suas idéias sobre o aborto?”):

Clinton: “Bem, eles teriam de compartilhar minhas idéias sobre privacidade, e penso que isso está ligado [ao aborto]. Privacidade, em minha opinião, faz parte de nossa Constituição.”

Obama: “Eu não nomearia alguém que não acreditasse no direito à privacidade.”

Edwards: “Eu insistiria que eles reconhecessem o direito à privacidade e reconhecesse Roe v. Wade como lei.”

Vale a pena observar que muitos acadêmicos esquerdistas pró-escolha, tal como o prof. da Faculdade de Direito de Harvard, Laurence Tribe, têm falado de Roe v. Wade usando o direito à privacidade para legalizar o aborto por meio da jurisprudência. Há argumentos racionais para que se evite que toda mulher que cometa o aborto seja criminalizada, mas o argumento de que matar um ser humano na fase uterina é somente uma questão de privacidade não é um deles.

Obama, sobre os EUA ensinar os islâmicos a amar ou a odiar os EUA: “Não vamos apenas liderar militarmente; vamos liderar por meio da construção de escolas no Oriente Médio que ensine matemática e ciência, ao invés de ódio aos americanos.”

Outro democrata que acredita que o anti-americanismo no mundo islâmico é culpa dos americanos, e que ele pode, portanto, ser desfeito pela construção de escolas lá. E é o presidente Bush que é acusado de estar “desligado da realidade.”

Clinton, sobre como os americanos deveriam agir: “Vamos reunir os melhores que temos nos EUA e começar a agir como americanos novamente, a fim de resolvermos nossos problemas e fazer a diferença.”

A senadora Clinton usa esta frase – “Vamos começar a agir como americanos de novo” – repetidamente. Se essa é alguma frase em código para as esquerdas, tudo bem. Mas o restante de nós não sabe o que ela significa. Quando os americanos pararam de agir como americanos? E o que significa mesmo “agir como um americano”?

Essas são algumas das palavras e pensamentos, de somente um debate, daqueles que almejam a nomeação do Partido Democrata como candidato à presidência dos Estados Unidos.

É importante também observar que, como em outros debates prévios, nenhum pré-candidato democrata jamais mencionou o terror “jihadista” ou “islâmico”.

E um deles pode muito bem ser o próximo presidente dos Estados Unidos.

Publicado por Townhall.com

17/11/2007

Caro sen. Dodd: Educação não é uma resposta para todos os problemas

Dennis Prager


No debate entre os candidatos presidenciais democratas na última semana[1], eles foram instados a comentar questões sobre educação. Este foi o comentário do senador de Connecticut, Chris Dodd:

“Sempre me fazem esta pergunta. ‘Qual é a questão mais importante de todas’. Eu sempre respondo que é a educação, porque ela é a resposta para qualquer outro problema com o qual nos confrontamos hoje.”

Nem é preciso dizer que nenhum outro candidato contra-argumentou, e é provável que a maioria dos senadores, todos os democratas e muitos republicanos, concordaria com esse sentimento.

Mas o sentimento não está somente errado, ele é destrutivo.

Há, claro, ligações entre educação e sucesso profissional, entre educação e a habilidade de ler e escrever. E obviamente precisamos de pessoas bem educadas para sermos capazes de competir com outros países. Mas, pelo menos há algumas poucas gerações no Ocidente, não há nenhuma ligação entre educação superior e decência humana.

Ponto final.

Esse é um dos muitos mitos em que crêem as pessoas instruídas da sociedade ocidental (que as pessoas nascem boas é outro mito). Mas não há uma única sombra de evidência para apoiar tal afirmação.

De fato, os registros dos últimos cem anos –a respeito da ligação entre a educação superior e a bondade – mostram uma conexão inversa. Em termos simples, os portadores de diploma universitário na sociedade ocidental têm maior probabilidade de possuir horríveis valores morais e de apoiar crueldades em massa do que os menos educados.

Os dois grandes males do século XX – o fascismo e o comunismo – foram freqüentemente liderados por indivíduos instruídos. E o comunismo foi apoiado, no Ocidente, quase exclusivamente por intelectuais. Você quase tinha de ser intelectual para apoiar os assassinos em massa Lênin, Stalin e Mao.

Peça a qualquer pessoa instruída para identificar o nível educacional dos assassinos nazistas que conceberam os einsatzgruppen, as unidades assassinas móveis que massacravam judeus e dissidentes antinazistas antes da invenção das câmaras de gás. Uma aposta segura é a de que grande parte responderia que a maioria dos membros dos einsatzgruppen era de baixo nível educacional. De fato, contudo, dos quatro einsatzgruppen enviados à Rússia, por exemplo, “Três dos quatro comandantes tinham um doutorado, e o quarto tinha um duplo Ph.D.” (HolocaustResearchProject.org). Dentre esses assassinos em massa “se incluíam muitos oficiais de alta patente, intelectuais e advogados. Otto Ohlendorf, que comandou o Einsatzgruppe D, tinha graus acadêmicos de três universidades e um doutorado em jurisprudência” ("The Einsatzgruppen Reports," Holocaust Library, 1989).

Segundo o Prof. Michael Mann – cujo livro, “Facistas”, publicado pela Cambridge University Press em 2004, foi declarado pela American Historical Review “de longe o melhor estudo comparativo dos fascismos entre-guerras” – “todos os movimentos fascistas no período entre-guerras atraíram desproporcionalmente os instruídos, ‘os estudantes secundaristas e universitários e o estrato mais altamente educado da classe média’.”

Se muitos graduam nas universidades ocidentais com bons valores morais, isso é a despeito, raramente por causa, da educação universitária.

Mesmo assim, apesar da evidência do fracasso moral da educação superior, muitos esquerdistas negam a ligação entre valores imorais e educação superior e continuam a perpetuar o mito da educação como a solução dos problemas sociais.

Eles assim o fazem por várias razões.

Primeiramente, a universidade é para o esquerdista secular o que a igreja é para o cristão ou a yeshiva (academia Talmúdica) é para o religioso judeu – um lugar sagrado e o epicentro de seus valores.

Em segundo lugar, é por meio do controle da educação superior (e da mídia) que os valores esquerdistas são mais efetivamente comunicados à próxima geração. Mesmo a mídia tem uma maior diversidade ideológica do que as universidades ocidentais, que transmitem quase exclusivamente a visão de mundo esquerdista.

Em terceiro lugar, a educação secular esquerdista é o melhor antídoto ao sistema de valores judaico-cristão, coisa que a esquerda mais teme.

E há uma quarta razão que faria um senador democrata, em particular, dizer que a educação é a “resposta para todos os problemas”. Os sindicatos de professores e a Associação Nacional de Educação doam grandes somas ao Partido Democrata.

Há, claro, uma forma de educação que pode, realmente, resolver a maioria dos problemas sociais: educação moral. Ela consistiria no ensino aos jovens do que é bom e do que é mal, de como desenvolver a integridade pessoal e de como foram as vidas dos melhores indivíduos da História.

Mas pouco ou nada disso é feito, hoje, nas escolas. “Bom” e “mal” são termos raramente usados, e são usualmente desprezados como “maniqueístas”. Integridade pessoal é essencialmente definida como assumir posições esquerdistas em questões sociais tais como aquecimento global, casamento entre pessoas de mesmo sexo e redistribuição de renda. E os melhores americanos – aqueles que construíram as fundações de nossa liberdade – têm sido difamados como vilões, proprietários de escravos e racistas.

Então, senador Dodd, a educação como a que presentemente existe, não é uma resposta para todos os problemas da sociedade. De fato, ela é, tanto ou mais, a fonte de muitos deles.

Publicado por Townhall.com

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[1] Artigo escrito em 06/11/2007. (N. do T.)

09/09/2007

Homem ou coelho?

C.S. Lewis


Pode-se ter uma boa vida sem se acreditar no cristianismo? Esta é a questão sobre a qual me pediram para escrever e, imediatamente antes de tentar respondê-la, tenho um comentário a fazer. A questão parece ter sido formulada por uma pessoa que diz a si própria, “Não me importo se o cristianismo é ou não verdadeiro. Não estou interessado em descobrir se o universo real é mais parecido com o dos cristãos ou com o dos materialistas. Tudo em que estou interessado é em ter uma vida boa. Vou escolher minhas crenças não porque as penso verdadeiras mas porque as considero úteis.” Francamente, acho difícil alguém simpatizar com esse estado mental. Uma das coisas que distingue o homem de outros animais é que ele quer conhecer as coisas, quer descobrir o que é a realidade, simplesmente por conhecer.[1] Quando esse desejo é, em alguém, completamente sufocado, penso que esse alguém tenha se tornado algo menos que um homem. De fato, não acredito que nenhum de vocês tenha perdido esse desejo. Muito provavelmente, pregadores tolos, ao sempre dizerem o quanto o cristianismo ajudará a vocês e o quanto ele é bom para a sociedade, tenham levado vocês a esquecerem que o cristianismo não é um comprimido que se toma para algum mal. O cristianismo alega ter uma explicação para fatos – alega poder dizê-los o que é o universo real. Sua explicação sobre o universo pode ser verdadeira, ou pode não ser, e uma vez que a questão está à sua frente, então sua natural curiosidade deve fazê-los querer conhecer a resposta. Se o cristianismo não é verdadeiro, então nenhum homem honesto desejará nele acreditar, não importa o quão útil ele seja: se ele é verdadeiro, cada homem honesto desejará nele acreditar, mesmo se isso não o ajudar de forma alguma.

Tão logo percebemos isso, percebemos algo mais. Se o cristianismo for verdadeiro, então é muitíssimo improvável que aqueles que nele acreditam e aqueles que nele não acreditam estejam igualmente equipados para ter uma boa vida. O conhecimento dos fatos deve fazer diferença para as ações realizadas. Suponha que você encontre um homem a ponto de morrer de fome e queira fazer algo de bom para ele. Se você não tivesse nenhum conhecimento da ciência médica, você iria, provavelmente, dar a ele uma grande quantidade de comida sólida; e, como resultado, seu homem morreria. Isso é o que significa agir no escuro. Da mesma forma, um cristão e um não-cristão devem, ambos, desejar fazer o bem a outros homens. Um deles acredita que os homens são eternos, que eles foram criados por Deus e, de tal forma, que eles só podem encontrar sua verdadeira e permanente felicidade na união com Deus, que eles se perderam terrivelmente no caminho, e que a fé obediente em Cristo é o único caminho de volta. O outro acredita que os homens são um resultado acidental do trabalho cego da matéria, que eles começaram como meros animais e, mais ou menos, evoluíram permanentemente, que eles irão viver por volta de setenta anos, que sua felicidade é totalmente atingida por meio de bons serviços sociais e por organizações políticas, e que tudo o mais (p. ex., vivisseção, controle de natalidade, o sistema judicial, educação) deve ser avaliado como “bom” ou “mau” simplesmente na medida em que ajuda ou atrapalha aquele tipo de “felicidade”.

Ora, há muitas coisas que esses dois homens concordam em fazer para seus semelhantes. Ambos aprovariam sistemas de esgoto e hospitais eficientes e uma dieta saudável. Mas, cedo ou tarde, a diferença de suas crenças produziria diferenças em seus propósitos práticos. Ambos, por exemplo, poderiam ser muito preocupados com a educação: mas os tipos de educação que eles desejariam para o povo seria obviamente muito diferentes. Onde o materialista perguntaria, a respeito de uma proposta de ação, apenas se “Ela aumentaria a felicidade da maioria?”, o cristão teria a dizer, “Mesmo que ela aumente a felicidade da maioria, não podemos realizá-la. Ela é injusta.” E todo o tempo, uma grande diferença atravessaria todas as suas políticas. Para o materialista, as coisas como nações, classes, civilizações devem ser mais importantes que os indivíduos, porque os indivíduos vivem, cada um, míseros setenta anos e o grupo pode durar séculos. Mas para o cristão, indivíduos são mais importantes, pois eles vivem eternamente; e raças, civilizações etc. são, em comparação, criaturas de um dia.

O cristão e o materialista têm crenças diferentes sobre o universo. Eles não podem estar ambos certos. Quem estiver errado agirá de uma forma que não se adequa ao universo real. Conseqüentemente, com a melhor das boas intenções do mundo, ele estará ajudando seus semelhantes a se destruírem.

Com a melhor das boas intenções do mundo ... então não será culpa sua. Certamente Deus (se houver um Deus) não punirá um homem pelos seus erros “honestos”? [2] Mas isso era tudo o que você pensava? Você está preparado para correr o risco de trabalhar no escuro em toda a sua vida e fazer um infinito mal, desde que alguém nos assegure que nossa própria pele estará a salvo, que ninguém nos punirá ou nos culpará? Não acreditarei que o leitor está neste nível. Mas mesmo se estiver, há algo a ser dito.

A questão diante de nós não é “Alguém pode ter uma boa vida sem o cristianismo?”. A questão é, “Você pode?” Todos sabemos que tem havido bons homens que não foram cristãos; homens como Sócrates e Confúcio que nunca ouviram falar de cristianismo, ou homens como J.S. Mill que muito honestamente não poderia nele acreditar. Suponha que o cristianismo seja verdadeiro. Esses homens estavam numa ignorância ou erro honesto. Se suas intenções fossem tão boas quanto suponho (pois, claro, não posso ler os segredos de seus corações) espero e acredito que a misericórdia de Deus remediará os males que suas ignorâncias, deixadas a si mesmo, naturalmente produziriam em si próprios e naqueles que eles influenciaram. Mas o homem que me pergunta, “Não posso viver uma boa vida sem acreditar no cristianismo?” não está na mesma posição. Se ele não tivesse tido notícia do cristianismo ele não estaria formulando essa questão. Se, tendo tido dele notícia, e o tendo considerado seriamente, ele tivesse decidido que ele não era verdadeiro, então, novamente, ele não estaria formulando a questão. O homem que formula a questão ouviu falar do cristianismo e não está certo, de forma alguma, de que ele não seja verdadeiro. Ele está realmente perguntando, “Será que eu preciso me preocupar com ele? Será que eu não posso apenas esquecer a coisa, sem cutucar a onça com a vara curta, e simplesmente me preocupar com a parte ‘boa’? Não são as boas intenções suficientes para me manter seguro e sem culpa, sem a necessidade de bater naquela temerária porta e ter de verificar quem estará, ou não, lá dentro?”

Para tal homem, pode ser suficiente responder que ele está realmente pedindo para ficar com a parte ‘boa’ antes de ele ter feito o melhor de si para descobrir o que ‘boa’ significa. Mas essa não é toda a estória. Não precisamos perguntar se Deus o punirá por covardia ou preguiça; ele próprio se punirá. O homem está se esquivando. Ele está tentando deliberadamente não saber se o cristianismo é verdadeiro ou falso, porque ele prevê problemas sem fim se ele se provar verdadeiro. Ele se parece com o homem que deliberadamente se ‘esquece’ de consultar a lista de tarefas do dia porque, se o fizesse, poderia encontrar seu nome relacionado a alguma tarefa desagradável. Ele se parece com o homem que não verifica sua conta bancária porque teme o que possa descobrir lá. Ele se parece com o homem que não vai ao médico quando uma misteriosa dor aparece, porque teme o que o doutor pode lhe contar.

O homem que permanece um incréu por tais razões não está na situação de um erro honesto. Ele está numa situação de erro desonesto, e essa desonestidade se difundirá por todos os seus pensamentos e ações: uma certa volubilidade, uma vaga preocupação no fundo de sua mente, um embotamento de toda a sua sutileza mental, resultará. Ele terá perdido sua virgindade intelectual. Rejeição honesta de Cristo, embora seja um erro, será perdoado ou curado – “Todo aquele que falar contra o Filho do Homem, ser-lhe-á dado perdão.” [3] Mas evitar o Filho do Homem, olhar para o outro lado, fazer de conta que você não O notou, ficar repentinamente absorvido com algo do outro lado da rua, deixar o telefone fora do gancho porque pode ser Ele do outro lado da linha – isso é uma coisa muito diferente. Você pode não estar certo ainda se deve ser um cristão; mas você sabe muito bem que deve ser um Homem, não uma avestruz, escondendo sua cabeça na areia.

Mas mesmo assim – pois a honra intelectual desceu a um nível muito baixo em nossos dias – escuto alguém lamuriando com a questão, “Ele me ajudará? Ele me fará feliz? Você pensa mesmo que minha situação melhorará se me tornar cristão?” Bem, se você precisa mesmo de minha resposta, ela é “Sim.” Mas eu não gostaria de dar uma resposta neste ponto. Eis aqui a porta atrás da qual, segundo alguns, o segredo do universo está esperando por você. Ou isso é verdade ou não é. E se não for, então o que a porta realmente esconde é simplesmente a maior fraude, a maior empulhação jamais registrada. Não é, obviamente, tarefa de todo homem (um homem, não um coelho) tentar descobrir o que está atrás da porta e, então, se devotar com todas as suas energias a obedecer e honrar esse tremendo segredo ou a expor e destruir essa gigantesca impostura? Desafiado por tal situação, poderá você permanecer totalmente absorvido com seu próprio abençoado ‘desenvolvimento moral’?

Certo, o cristianismo lhe fará bem – muito mais do que você alguma vez desejou ou esperou. E o primeiro pedacinho de bem que ele lhe fará é martelar em sua cabeça (e você não gostará disso!) o fato de que o que você até agora chamou de “bom” – tudo aquilo sobre “ter uma vida decente” e “ser bom” – não é bem o acontecimento magnificente e da maior importância que você supunha. Ele lhe ensinará que, de fato, você não poderá ser ‘bom’ (não por vinte e quatro horas) contando apenas com seus próprios esforços morais. E então ele lhe ensinará que mesmo que você pudesse, você ainda não teria atingido o propósito pelo qual foi criado. A mera moralidade não é o fim da vida. Você foi feito para algo muito diferente. J.S. Mill e Confúcio (Sócrates estava muito mais próximo da realidade) simplesmente não sabiam o que significa a vida. As pessoas que continuam a perguntar se não se pode ter uma vida decente sem Cristo, não sabe o que é a vida; se eles soubessem, eles saberiam que ‘uma vida decente’ é um mero mecanismo comparado com a coisa de que nós homens somos feitos. A moralidade é indispensável: mas a Vida Divina, que se dá a nós e que nos convida a ser deuses, planeja algo para nós em que a moralidade será nele absorvida. Temos de ser re-feitos. Todo o coelho que existe em nós desaparecerá – o coelho preocupado, escrupuloso e ético e também o covarde e sensual. Sangraremos e guincharemos na medida que punhados de pêlos forem arrancados; e então, surpreendentemente, descobriremos por sob o pêlo uma coisa que nunca antes imaginamos: um Homem real, um deus imemorial, um filho de Deus, forte, radiante, sábio, bonito e imerso em alegria.

“Mas quando vier o que é perfeito, será abolido o que é imperfeito” [4] A idéia de atingir ‘uma vida boa’ sem Cristo é baseada num duplo erro. Primeiramente, não podemos tê-la; e em segundo lugar, ao estabelecer ‘uma vida boa’ como nosso objetivo, perdemos a verdadeira razão de nossa existência. A moralidade é uma montanha que não podemos subir por nossos próprios esforços; e se pudéssemos, apenas pereceríamos no gelo e no ar irrespirável do cume, na falta daquelas asas com as quais o resto da jornada terá de ser empreendida. Pois é de lá que a ascensão real começa. As cordas e os machados ‘já eram’ e o resto é uma questão de voar.



Extraído do livro God in the dock [Deus no banco dos réus.]




[1] A primeira frase da Metafísica de Aristóteles é “Πάντες ἄνθρωποι τοῦ εἰδέναι ὀρέγονται φύσει.” [Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer.] (N. do T.)

[2] A expressão aqui é ‘honest error’ que tem a acepção de erro involuntário, mas também do produto de um esforço honesto de entendimento que, no entanto, está marcado pelo erro. (N. do T.)

[3] Lucas, XII, 10.

[4] I Cor. XIII, 10.

08/09/2007

Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Final



Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte II, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte III, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte IV, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte V, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte VI, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte VIIe Opondo-se à heresia austríaca


Dr. Peter Chojnowski



G) Santo Antonino, o preço justo e o salário justo

Santo Antonino de Florença tinha compromisso explícito com a idéia de que a autoridade civil tinha o direito, e freqüentemente, o dever de determinar os preços em nome do bem comum. A “estimação geral” pela qual os preços deveriam ser determinados incluía, claramente, a possibilidade do Estado determinar explicitamente o preço dos itens. Segundo De Roover:


“Santo Antonino ... afirma que seria desejável, sob certas circunstâncias, que os preços de produtos alimentícios e de outras necessidades sejam fixados por um bispo, ou ainda melhor, pelas autoridades civis. Se há tal regulamentação, os comerciantes de alimentos e outros produtos não podem, sem pecar, aumentar os preços acima do mínimo legal.” [1]

Longe de ser um entusiasta do “livre mercado”, o Arcebispo de Florença reafirma a tradicional condenação da usura e do monopólio. Ele também insiste de que há um “salário justo”. O cálculo do que constituiria um “salário justo” era um processo social e complexo que envolveria a consideração de muitos elementos diferentes. Tomando a citação de Santo Antonino usada por De Roover: “Santo Antonino afirma que o propósito dos salários não era somente compensar o trabalhador por seu trabalho, mas também capacitá-lo a prover para si e para sua família, segundo sua situação social.” [2] Além do mais, “era tanto injusto quanto pecaminoso pagar menos do que o salário justo porque o trabalhador tinha bocas a alimentar tal como era injusto pagar menos do que o preço justo por causa da necessidade urgente do vendedor.” [3] Santo Antonino via o homem como um todo, não apenas como um possuidor (ou não possuidor) de propriedade privada. Toda a conversa sobre um “salário justo” (sem mencionar um “preço justo”) nada significa a menos que entendamos o homem como uma criatura social e todas as atividades e interações sociais humanas, incluindo as econômicas, como tendo uma orientação a um bem mais alto e mais perfeito, pelo menos o bem verdadeiro e satisfatório da existência humana. Vemos esse amplo entendimento teleológico (do grego telos ou objetivo) do bem humano no seguinte trecho em que De Roover comenta o ensinamento de Santo Antonino:

“O propósito do salário justo era capacitar o trabalhador a ter uma vida decente, o propósito de uma vida decente era capacitá-lo a ter uma vida virtuosa e o propósito de uma vida virtuosa era capacitá-lo a atingir a salvação e a glória eterna.” [4]

Como poderíamos esperar, do que já vimos de vários escritores libertários citados neste artigo, De Roover “resume” a posição de Santo Antonino negando tudo o que ele tinha previamente afirmado com respeito ao ensinamento do santo: “A teoria de Santo Antonino sobre o salário afirma que o salário justo é determinado pela estimação geral, isto é, pelas forças do mercado sem nenhuma referência a necessidades individuais.” [5] Aqui ele está afirmando A e não A simultaneamente. Aqui temos uma manipulação de um texto moral cristão por um libertário cujos pontos de vistas sobre economia, lógica, política, sociedade e mesmo sobre os aspectos mais simples da psicologia humana seriam completamente inexplicáveis para nosso bispo renascentista.

H) Restauração econômica

Qual a importância de tudo isso? Muito do pensamento “conservador” e “libertário”, nos EUA, na Comunidade Britânica e no Continente Europeu tem tentado encontrar uma forma, como disse Arthur Penty, de “estabilizar a anormalidade”. O que é verdadeiramente necessário é o retorno à normalidade. O que vimos na análise das afirmações reais dos teólogos medievais e renascentistas sobre assuntos econômicos é um retrato equilibrado do que é “normal”. O que é impressionante notar não é quão inovadores eles foram, na direção liberal, mas ao contrário, quão tradicional e profundamente cristãos eles foram. Que houvesse espaço para discussão a respeito de questões como o valor da moeda em transações internacionais é uma manifestação perfeitamente normal do desejo católico por justiça e uma profunda prudência que compreende a multiplicidade de situações na qual os seres humanos agem. Tal prudência não pode ser tomada como uma inovação revolucionária ou uma abertura para o moderno liberalismo econômico.

A base para nossa atual “anormalidade” é um entendimento enfatuado e artificial do homem como um indivíduo, livre para “criar” seu próprio “sistema de valores”, que, até certo ponto, significa “criar seu próprio mundo”. O liberalismo, em suas manifestações econômicas e políticas, criou uma situação na qual a antiga tapeçaria psicológica, social, econômica e política das sociedades humanas foi desfiada. Sustentando um conceito etéreo de “escolha”, o liberalismo nos roubou a honra, nossa segurança pessoal e nossa herança. Essa concepção do homem e da existência humana está embebida na equação neoliberal do “preço justo” e do “preço de mercado”. Que Arthur Penty e muitos outros tenham apresentado o “justo preço” e sua consecução como o propósito principal do Sistema Medieval de Guildas é testemunho do fato de que toda a vida social da cristandade, de uma forma bem real, girou em torno dessa realidade. Que a “justiça” deve envolver mais do que a mera “liberdade de escolha”, incluindo no termo a idéia, e sua concreta realidade história, de uma ordem superior e de obrigações mais essenciais e fundamentais, é testemunho do fato de que a psicologia espiritual da cristandade era profundamente diferente da que encontramos em todos os que rejeitam a forma antiga, quer sejam eles socialistas, globalistas ou libertários. Para aqueles que procuram corretamente por uma vida além do espiritualmente sufocante totalitarismo libertário em que nos encontramos imersos, Penty os adverte que qualquer tentativa de realizar o sonho de uma existência rural independente sem o controle de preços em funcionamento, resultaria, para a maioria, em suicídio econômico para famílias e indivíduos. Estas são palavras sensatas. Nossa luta deve então tomar uma mais abrangente dimensão religiosa, moral e mesmo política, se for para nossos filhos e os filhos de nossos filhos terem uma vida mais rica, e portanto mais tradicional, do que a nossa.


Dr. Peter E,. Chojnowski é graduado em Ciência Política e em Filosofia pelo Christendom College. Ele é mestre e doutor em Filosofia pela Fordham University. Ele e sua esposa Kathleen são pais de seis filhos. Ele ensina na Gonzaga University em Spokane, Washington, e na Society of Saint Pius X na Immaculate Conception Academy em Post Falls, Idaho.


[1] Ibid., pp.22-23.
[2] Ibid., p. 25.
[3] Santo Antonino de Florença, Summa Theologica, Part II, tit. I, cap. 17, n.8. Este texto é citado no livro de De Roover, San Bernadino, p. 25.
[4] De Roover, San Bernadino, p.27. Esta citação é uma paráfrase da Summa Theologica de Santo Antonino, Part III, tit. 8, cap.l, n.l.
[5] Ibid., p.25.

26/08/2007

Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte VII

Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte II, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte III, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte IV, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte V, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte VI e Opondo-se à heresia austríaca



Dr. Peter Chojnowski



F) Bernardino de Sena e Antonino de Florença: santos mal interpretados


Devemos ficar muito surpreendidos quando vemos um estudioso neoliberal, como Raymond de Roover, focalizando sua atenção em dois grandes santos: São Bernardino de Sena e Santo Antonino de Florença. [1] Primeiramente, é, acima de tudo, surpreendente que eles sejam denominados, “Dois grandes pensadores econômicos da Idade Média”, pois eles viveram no coração da florescente Renascença italiana. Que esses pensadores sejam aclamados como profetas das benesses do capitalismo liberal é também surpreendente, pois suas atitudes frente a assuntos econômicos não poderiam estar mais afastadas da mentalidade de Ludwig von Mises, que sustentaria que as leis da propriedade privada e do “livre mercado” são adversas às alegações morais “heterogêneas” advindas da lei natural e divina. Aqui, seria útil recordar a afirmação de Mises:

“A insistência para que as pessoas ouçam a voz de suas consciências e para que elas substituam as considerações a respeito do lucro privado por aquelas a respeito do interesse público, não cria uma ordem social funcional e satisfatória.” [minha ênfase]

A única coisa que os dois grandes santos sob consideração pretendiam com suas pregações e escritos sobre assuntos econômicos era “insistir para que as pessoas ouvissem a voz de suas consciências e substituíssem as considerações a respeito do lucro privado por aquelas a respeito do interesse público”. Eles também sustentavam que somente se isso fosse feito, se atingiria uma justa e satisfatória ordem civil.

Quando consideramos os ensinamentos morais de São Bernardino (1380-1444), como estes concernentes às questões econômicas, o que estamos analisando são 14 sermões que fazem parte de uma coleção maior de sermões intitulada De Evagelio aeterno (Sobre o Evangelho Eterno). Esses sermões em latim, em oposição aos escritos em italiano, eram para ser lidos mais que para ser pregados. Aqui, podemos ver a continuação de uma longa tradição, cujo eco pode ser percebido, em nossa época, através de homens como Heinrich Pesch, S.J., tradição essa de incluir questões econômicas dentro do horizonte mais amplo da ética. Nesses sermões de São Bernardino (um franciscano e grande apóstolo da devoção ao Sagrado Nome de Jesus), encontramos repetidos, mais uma vez, os ensinamentos gerais da Igreja a respeito da vida econômica. Como o próprio De Roover admite, a condenação da usura era um tema proeminente nos escritos de São Bernardino.[2] Tal como no caso de outros escolásticos, São Bernardino estava “preocupado com um outro conjunto de problemas [bem diferente de questões do tipo ‘como o mercado opera’]: o que é justo ou injusto, licito ou ilícito? Em outras palavras, o foco estava na ética: tudo era subordinado ao tema principal.” [3] Ambos, São Bernardino e Santo Antonino, desaprovavam o consumismo como um caminho para o pecado e a eterna perdição. Santo Antonino trata do tópico das transações de mercado na secção de sua Summa Moralis que trata do pecado da avareza.[4] Além do mais, a Economia era discutida dentro estrutura de contratos, como entendia Direito Romano. As virtudes que regulavam as ações econômicas individuais e coletivas eram as virtudes de justiça distributiva e comutativa (i.e., o Estado dando aos cidadãos “suas partes” e os cidadãos “dando a cada um a sua parte”). Ora, a única “parte” que os libertários admitem é o alegado respeito absoluto tanto por parte do governo quanto do cidadão à já demarcada propriedade privada do outro. Eles esquecem o que os distributivistas lembram muito bem: todos os homens têm o direito a uma certa propriedade privada. Aqueles que apóiam a Doutrina Social da Igreja Católica, melhor que seus antagonistas libertários, entendem o papel da propriedade privada na realização pessoal e familiar.

Quando estudamos o livro de De Roover sobre esses dois santos supostamente inovadores, temos dificuldade em encontrar um só ensinamento significativo que não esteja firmemente ancorado na sabedoria do passado católico ou que não tenha sido elucidado, de uma forma puramente tradicional, pela posterior e escolástica Escola de Salamanca. Como o próprio De Roover reconhece, São Bernardino, como os escolásticos medievais antes dele, entendia a determinação do preço como um processo social. O preço não é determinado por um conjunto de decisões arbitrárias de indivíduos, mas ele é determinado coletivamente pela comunidade como um todo.[5] São Bernardino diz isso explicitamente quando afirma, “o preço dos bens e serviços é determinado para o bem comum com a devida consideração à valoração e estimação comum feita coletivamente pela comunidade de cidadãos [minha ênfase].” [6] De acordo com De Roover, nos escritos de São Bernardino há apenas “uma análise mínima das conseqüências, no preço, das alterações da oferta e da procura.” [7]

Com relação à questão do preço discutida acima, como já tínhamos percebido anteriormente quando da análise do pensamento de Santo Tomás de Aquino, a descrição de De Roover sobre as “inovações” de São Bernardino é muito forçada e freqüentemente envolve o uso de afirmações que não provam, em absoluto, seu argumento. De fato, elas provam exatamente o contrário. Um exemplo é sua citação de uma única sentença dos “sermões” de São Bernardino que parece indicar que o santo considerava a idéia de “preço justo” semelhante àquela de “avaliação do mercado”. Para apoiar essa afirmativa, ele cita São Bernardino definindo o “preço justo” como “aquele que prevalece num dado momento segundo a estimação do mercado, isto é, aquele que as mercadorias atingem num certo local.” [8]

Como temos visto, contudo, a respeito dessa determinação do preço baseada na “oferta e demanda” e nas “condições do mercado”, havia uma sólida tradição moral, que passava pelos tempos da escolástica tardia, na qual era considerada perfeitamente razoável que preços de certos itens não-essenciais flutuassem livremente, sendo seus valores determinados pelo que alguém, que não tinha a menor necessidade do item em questão, estivesse disposto a pagar. O próprio De Roover parece reconhecer que a expressão “o ‘preço justo’ é o ‘preço alcançado no mercado’ ” se refere apenas a essa situação e àqueles tipos de bens. Mesmo assim, é claro que De Roover quer insinuar que São Bernardino igualava, em todos os casos, o “preço justo” àquele “que prevalece, num dado momento, segundo a estimação do mercado”. Com sua usual forma de expressão dúbia, ele diz, “Essa afirmação [sobre o preço justo e o preço de mercado], parece-me, é tão clara que não admite qualquer outro entendimento.”

Se, como ele parecer dizer, São Bernardino igualava o preço justo ao preço de mercado, todos os preços deveriam, por uma questão de justiça, ser submetidos ao livre fluxo das forças de mercado – qualquer interferência seria, em conformidade com essa perspectiva, uma interferência no mecanismo de determinação do “preço justo” do mercado. Que essa não é a posição de São Bernardino fica claro, pelos dizeres do próprio De Roover, quando ele admite que o franciscano ensinava que “os preços podem ser fixados em nome do bem comum.” A sociedade, então, é responsável pela determinação do preço. Quem não ouve os ecos de todo o etos econômico da cristandade na afirmação de São Bernardino de que os preços podem ser fixados em nome do bem comum, “porque nada é mais iníquo do que promover os interesses privados[9] às custas do bem-estar geral”?


[1] Raymond de Roover, San Bernadino of Siena and Sant'Antonino of Flor­ence: The Two Great Economic Thinkers of the Middle Ages.
[2] Ibid., p. 1.
[3] Ibid., pp.7-8.
[4] Ibid., p. 1.
[5] Ibid., p.20.
[6] St. Bernadine of Siena, De Evangelic aeterno, sermão 35, art. 2, cap.2 and 3 in Opera omnia, IV, 197-198. Esse texto é citado em de Roover, San Bernadino, p.20.
[7] De Roover, San Bernadino, p.21.
[8] Ibid., p.20.
[9] Ibid., pp.20-21.

19/08/2007

Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte VI

Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte II, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte III, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte IV, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte V e Opondo-se à heresia austríaca


Dr. Peter Chojnowski


E) A complexidade do preço justo reafirmada

De Soto era, como todo escolástico, um herdeiro de uma tradição acadêmica secular. Suas idéias sobre a conveniência de se “fixar” preços tinham antecedentes profundamente enraizados na Idade Média. Aquele “não-gigante”, o estudioso vienense Heinrich von Langenstein, era um defensor de um rígido sistema de controle de preços. Ele sugere ao príncipe, contudo, fixar preços de acordo com o preço habitual que é determinado pelo “grau do desejo humano”. Além do mais, Langenstein demonstra um ponto de vista completamente equilibrado com respeito à questão do preço justo. Ele reconhece que há no preço um fator objetivo, no sentido de que ele deveria ser fixado por alguma autoridade desde fora do mercado mas, ainda assim, que ele é produto de fatores subjetivos. Alguns desses fatores subjetivos mencionados por Langenstein são: oferta e demanda, utilidade, custo da produção, remuneração do trabalho, custo do transporte e risco. Todos esses devem ser levados em conta quando se determina o valor de um bem.[1] Tal como Santo Tomás de Aquino, Langenstein entendia que a “oferta e demanda” desempenha um papel na determinação do preço. A própria Grice-Hutchinson reconhece esta como sendo a posição mantida pela tradição escolástica quando escreve, “vimos que os conceitos de utilidade e raridade tinham um lugar eminente na lista tradicional de fatores determinantes do valor que fundamentava as discussões escolásticas a respeito do ‘preço justo’.” Ela também admitia, “vimos que nossos escritores escolásticos consideravam a utilidade e a raridade como os determinantes principais do valor, apesar de não serem os únicos [ênfase minha].” [2]

Se fossemos procurar um outro membro da Escola de Salamanca que concordasse como o ensinamento de De Soto sobre a desejável fixação de preços, especialmente de “certas” mercadorias, encontraríamos um certo Pedro de Valencia. Em seu Discurso sobre el precio del trigo, ele afirma

“Aqueles que alegam que uma coisa vale o preço que ela alcança devem ser interpretados como se referindo somente a coisas que não são essenciais à vida, tais como diamantes, falcões, cavalos, espadas, e também a outras coisas mais comuns, desde que não haja fraude, compulsão ou monopólio, e quando vendedor e comprador desfrutarem de igual liberdade ou estiverem submetidos a igual necessidade [ênfase minha]”.

Reconhecendo, contudo, que em matérias de real necessidade a população está em clara desvantagem em qualquer operação de troca, ele afirma, “no caso do pão, nos anos em que ele é caro, o vendedor sempre desfruta de liberdade e fartura, e o comprador é sempre submetido a necessidade urgente.” Chegamos agora à questão do preço justo:

“O preço justo não é aquele que é determinado pela necessidade do mercenário, nem pode tal preço, em sã consciência, ser exigido. Nenhum preço é justo ou pode ser considerado corrente se está contra o interesse público, que é a primeira e principal consideração que justifica o preço das coisas.”[3]

_______________
[1] Ibid., p.28.
[2] Ibid., p.64.
[3] Pedro de Valencia, Discurso sobre el precio del trigo (reimpresso in Pedro de Valencia, Escritos sociales, in Biblioteca de clasicos sociales espanoles [Madrid, 1945]); o texto é citado em Hutchinson, pp.118-119.

18/08/2007

Introdução ao LIVRO DE JÓ - Parte II

Ver Introdução ao LIVRO DE JÓ - Parte I

G.K. Chesterton

A importância atual do livro de Jó não pode ser expressa adequadamente mesmo se se disser que ele é o mais interessante dentre os livros antigos. Podemos quase dizer que ele é o mais importante dos livros modernos. Na verdade, nenhuma das duas frases cobre a matéria, pois a religião humana fundamental e a irreligião humana fundamental são ambas, ao mesmo tempo, antigas e modernas; a filosofia ou é eterna ou não é filosofia. O hábito moderno de dizer “Isso é minha opinião, mas posso estar enganado” é inteiramente irracional. Se digo que posso estar enganado, digo que isso não é minha opinião. O hábito moderno de dizer “Todo homem tem uma filosofia diferente; esta é minha filosofia e estou satisfeito com ela” – o hábito de dizer isso é meramente uma fraqueza mental. Uma filosofia cósmica não é construída para satisfazer um homem; uma filosofia cósmica é construída para satisfazer o cosmos. Um homem pode tanto possuir uma religião privada quanto pode possuir um sol ou uma lua privados.

Este ensaio de Chesterton será publicado proximamente pela revista Guia Prático de Teologia. Futuramente, ele será republicado no blog, corrigido e acrescentado das partes faltantes na primeira publicação. Aguardem. (Nota acrescentada em 30 de julho de 2012.)

15/08/2007

Introdução ao LIVRO DE JÓ - Parte I

"O homem é confortado, sobretudo, por paradoxos"


G.K. Chesterton


O livro de Jó é, dentre os livros do Antigo Testamento, tanto um enigma filosófico quanto um enigma histórico. É o enigma filosófico que nos interessa numa introdução como esta; assim, dispensemos umas poucas palavras numa explicação geral ou num alerta a respeito do aspecto histórico. Há muito sobrevivem controvérsias sobre que partes desse épico pertencem ao esquema original e quais partes são interpolações de datas muito posteriores. Os doutores discordam, como é do ofício dos doutores; mas, no geral, a tendência da investigação tem sido sempre na direção de sustentar que as partes interpoladas, caso o sejam, são o prólogo e o epílogo, que estão em prosa, e possivelmente o discurso do jovem que faz uma apologia ao final. Não sou competente para decidir tais questões.

Este ensaio de Chesterton será publicado pela revista Guia Prático de Teologia. Futuramente, ele será republicado no blog, corrigido e acrescentado das partes faltantes na primeira publicação. Aguardem. (Nota acrescentada em 30 de julho de 2012.)

12/08/2007

Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte V

Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte II, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte III, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte IV e Opondo-se à heresia austríaca

Dr. Peter Chojnowski


D) A Escola de Salamanca e o preço justo

Ao considerar o que a supostamente inovadora Escola de Salamanca dizia a respeito da importante questão do “preço justo”, a questão econômica mais importante do medievo, me defrontei com um texto, contido em The School of Salamanca de Grice-Hutchinson, que me levou a refletir por um momento. Ali, numa citação do livro de Domingo de Soto, De Justitia et jure, publicado em 1553, encontramos a seguinte resposta para a questão, “Devem os preços ser determinados de acordo com a avaliação dos próprios comerciantes?”:

“Primeiramente ... excluindo a fraude e a malícia, devemos deixar os comerciantes fixarem o preço de suas mercadorias. Em segundo lugar ... cada homem é o melhor juiz de sua própria mercadoria. Ora, o ofício do comerciante é entender de mercadoria. Então, devemos conceder a eles a determinação dos preços. Em terceiro lugar, um homem por fazer o que bem entender com sua propriedade. Conseqüentemente, ele pode cobrar e receber qualquer quantia por suas mercadorias.”

“Agora”, disse a mim mesmo, “temos um grande problema. Domingo de Soto é uma grande figura na história da Escola de Salamanca. Ele era um dominicano, um contemporâneo de Vitória, fundador da Escola, e considerado um dos melhores escritores sobre assuntos econômicos. Em 1532, De Soto foi nomeado para a cadeira de Teologia em Salamanca. Sua fama era tal que, em 1545, o Imperador do Sacro Império Romano e Rei da Espanha, Carlos V, nomeou De Soto, agora considerado o mais eminente dos teólogos espanhóis depois de Vitória, como seu representante pessoal no Concílio de Trento. Ele se tornou o confessor de Carlos V dois anos mais tarde. Com certeza, se este homem sustenta a opinião de que é o ‘livre mercado’ que determina o preço das mercadorias, tal deve ser o ensinamento genuíno emanado de Salamanca”

Depois de alguma desconfortável consternação, ficou claro para mim o que eu estava lendo. Ao invés de ser a própria opinião e ensinamento de De Soto sobre a questão, estas eram objeções à posição mantida por De Soto, que sempre, claro, aparecem em primeiro lugar em qualquer artigo escolástico propriamente organizado. O ensinamento de De Soto sobre a matéria do preço justo e apropriado está perfeitamente em concordância com o que se esperaria de um teólogo católico de uma civilização ainda florescente e fiel.

A primeira “conclusão” de De Soto a respeito dessa questão faz uma distinção que é o fundamento natural (de senso comum) para qualquer discussão sobre preços: o preço de um bem (ou mercadoria) não é determinado por sua essência (como a coisa se encaixa em toda a hierarquia da Criação), mas ao contrário, “na medida em que ele (bem ou mercadoria) serve às necessidades da humanidade.”[1] Aqui ele afirma o que era ensinado, durante o mesmo período (1554) por outro estudioso de Salamanca, Diego de Covarrubias: “O valor de um artigo não depende de sua natureza essencial, mas da avaliação dos homens, mesmo se essa avaliação for tola.”[2] Os “bens” que citamos aqui são “bens” que são bons na medida em que servem às necessidades humanas. Essas coisas, portanto, têm um preço na medida em que são valorosas aos olhos dos cidadãos; esses bens ou mercadorias que permitem aos cidadãos satisfazerem suas necessidades. De Soto conclui sua alegação fundamental sobre preços dizendo, “Temos de admitir, então, que o desejo é a base do preço.” As coisas são, então, mais desejáveis, e assim terão um preço maior, na medida em que elas mais perfeitamente satisfizerem o desejo humano de realização e subsistência, qualquer que seja o lugar que elas ocupem na hierarquia da Criação. Como diz Santo Agostinho (Cidade de Deus, Livro II, cap. 16), “um homem prefere ter milho do que rato em sua casa”; a despeito de o rato ser ontologicamente mais perfeito que os grãos de milho.

De Soto, quando fala do “necessidade” ser a base de toda a vida econômica, reconhece, de uma forma muito equilibrada, que quando falamos de “necessidade”, não devemos excluir o fato de que a cidade precisa de “adorno”; mesmo não sendo tais coisas necessárias à vida humana, elas tornam a vida “prazerosa e esplêndida.”

Na segunda “conclusão” de De Soto, encontramos uma afirmação que contradiz diretamente as alegações libertárias de que os escolásticos tardios de Salamanca pensavam que nada deveria ser considerado no cálculo do preço, exceto a “oferta e demanda”. De Soto lista a “oferta e demanda” como um dos elementos que entram na determinação do preço justo de um item.

Além disso, temos de considerar o trabalho, os problemas e o risco que a transação envolve. Finalmente, devemos considerar se a troca é, para melhor ou pior, vantajosa ou desvantajosa ao vendedor, se os compradores são escassos ou numerosos, e todas as outras coisas que um homem prudente deve levar propriamente em conta.

Em outras palavras, para consternação dos que insistem que a Escola de Salamanca não reconhecia nada além das necessidades da “oferta e demanda”, encontramos um dos seus mais proeminentes estudiosos asseverando que todo o processo de produção e venda deve ser considerado quando o justo preço é calculado. Prudência social e econômica é o que manda aqui.

Descobrimos no próximo parágrafo quem, exatamente, deve emitir o consistente julgamento, utilizando-se essa prudência social e econômica. A resposta a essa questão depende de outra distinção escolástica. Essa distinção é entre o preço “legal” e o preço “natural”. Há, como diz De Soto, um aspecto “duplo” no “preço justo”. Neste ponto descobrimos que o “preço justo legal” é aquele que é fixado pelo príncipe. O preço “discricionário” ou “natural” é aquele que é praticado quando os preços não são controlados. De Soto afirma que essa distinção é deduzida da Ética a Nicômaco, de Aristóteles (V, cap. 7). Note, nesse particular, que De Soto não está fazendo “juízo de valor”, dizendo que o “preço legal” é mau e o “preço natural” é bom. Como veremos, a aplicação desses dois diferentes tipos de preços depende de que tipo de bem ou mercadoria estamos falando.

Os próximos parágrafos da passagem que estamos citando são muito significativos e tiveram eco em outros estudiosos da Escola de Salamanca. De Soto afirma:

“Para entender a conclusão [acima] e julgar sua validade, e ver porque é necessário controlar os preços, devemos perceber que a matéria é de importância capital para a república [no sentido de res publica ou de comunidade] e o governador, que, a despeito dos argumentos acima [i.e, aqueles argumentos favoráveis ao ‘livre mercado’ nas Objeções], deve realmente fixar o preço de todo artigo. Mas como ele não pode fazer isso em todos os casos, a tarefa [de ‘fixação’ do preço daquelas mercadorias que o príncipe não fixou] é deixada para a discrição de compradores e vendedores. O preço que resulta é chamado o preço natural porque reflete a natureza dos bens e a utilidade e conveniência que eles carregam [ênfase minha].”[3]

Como prova de que o termo “preço legal” não contém nenhum valor negativo, podemos citar De Soto dizendo, “Quando um preço é fixado por lei (por exemplo, quando uma medida de trigo, vinho ou tecido é vendida por certa soma) é ilegal aumentar esse preço mesmo que seja de um centavo. Se o excesso for grande, então é pecado mortal e uma situação que exige restituição.” Aqueles preços que não são regulados, especialmente de mercadorias que não compõem as necessidades básicas do cidadão, “podem desfrutar de certa liberdade dentro dos limites da justiça.” Aqui vemos que mesmo os preços livres devem ser mantidos dentro dos limites da justiça; “justiça” que, neste caso, significa as exigências do bem comum.


[1] Domingo de Soto, De Justitia et Jure, Livro VI, Q. 2, Art. 3, pp.546-549 (Salamanca, 1553). Este texto é citado por Hutchinson, pp.83-88.
[2] Diego de Covarrubias, Variarum ex pontificio, regio et caesareo jure resolutionum, Book 4, 1554, vol. li, lib.2, chap.3 como apresentada por Hutchinson, p.48.
[3] Ver Hutchinson, School of Salamanca, pp.84-85.

08/08/2007

Missa Tridentina em Belo Horizonte: próximas datas

Dia 18 de agosto: capela Nossa Senhora da Conceição Aparecida.
Endereço: rua João de Matos, 214, quase esquina com a rua Jacuí, no bairro Ipiranga.
Horário: 17h


Dia 26 de agosto: Capela do Colégio Sagrado Coração de Jesus (não confundir com a Igreja do Coração de Jesus)
Endereço: Rua Professor Morais (esquina com Getúlio Vargas), 363 -Funcionários
Horário: 10 horas da Manhã
OBS: O Padre estará 1 horas mais cedo (9 horas) para atender confissões

05/08/2007

Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte IV

Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte II, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte III e Opondo-se à heresia austríaca



Dr. Peter Chojnowski



C) A função do dinheiro e a questão da conversão de moedas


As idéias medievais a respeito da origem e das funções do dinheiro são principalmente fundamentadas numas poucas passagens de Aristóteles, na Política e em Ética a Nicômaco. Nestas obras, Aristóteles insiste que a função do dinheiro é seu uso como meio de troca de bens. A moeda foi primeiramente inventada para resolver as dificuldades e necessidade de transporte, que surgem inevitavelmente numa economia de escambo.[1] A moeda, portanto, serviu como um denominador comum entre bens de natureza diversa: “Fazendo todas as coisas comensuráveis, equalizando-as.”[2] Além de tornar comensurável ao vendedor e ao comprador o que, por natureza, é qualitativamente diferente, a moeda podia servir como “capital”, ou como estoque de valor a ser usado no futuro. Aristóteles enfatiza a função da moeda como um instrumento humano, indicando que seu valor se origina no costume e que “depende de nós mudar seu valor ou torná-lo completamente nulo.”[3] Averroes (1126-98), cujos comentários sobre a Ética foi traduzido para o Latim no início do século XIII, segue de perto Aristóteles a respeito da origem e funções do dinheiro.[4]

Desde que Santo Tomás de Aquino formulou sua visão tradicional de que a moeda foi inventada para facilitar a troca, ele sustentou que era ilegal cobrar uma taxa por um empréstimo de dinheiro, que tinha o nome de usura. Temos aqui uma reafirmação da condenação aristotélica da usura. O próprio Santo Tomás aplica essa idéia na questão em discussão, – ou seja, a cobrança de uma taxa pela troca internacional de moeda – condenando-a completamente. Comerciantes que tentam ganhar dinheiro por meio de empréstimo financeiro – emprestando uma quantia num lugar e coletando-a em outro – enfrenta a seguinte afirmação de Santo Tomás em seus Comentários sobre a Política de Aristóteles, I, 1vii:

“É natural ao homem adquirir dinheiro com o propósito de conseguir alimento a partir de coisas naturais com frutas ou animais. Mas quanto o dinheiro é adquirido não por meio de coisas naturais, mas a partir do próprio dinheiro, isso é contra a natureza.”

Esse ensinamento sobre ganhar dinheiro com base no “preço” relativo do dinheiro em dois lugares diferentes, aparece em 1532, quando os comerciantes espanhóis de Antuérpia enviam seu confessor a Paris para conseguir, dos doutores da Universidade, um parecer sobre a legitimidade das transações financeiras internacionais. Eles condenaram, de forma clara, todo o negócio de transações.[5] A conclusão que os neo-liberais, representados por Marjorie Grice –Hutchinson, gostariam de extrair desse incidente é que a taxa de conversão financeira flutua de acordo com a situação da oferta e da demanda e não é calculada a partir do trabalho ou dos custos do credor. A suposição aqui é que o processo de determinação do “preço” do dinheiro é o mesmo que o processo de determinação do preço dos bens. Essa é uma suposição arbitrária. Além do mais, os doutores da Universidade de Paris estão, aparentemente, apenas tratando de uma matéria de fato. Em si mesmo, o parecer não determina o que os doutores escolásticos diriam sobre o “preço justo” de coisas que devem ser vendidas, ou seja os bens. O que podemos extrair dessa resposta é uma reafirmação do ensinamento perene da Era Cristã; o dinheiro não deve se originar do dinheiro. Como afirma Santo Tomás, tal atividade merece justa reprovação, pois, considerada em si mesma, “ela satisfaz a ambição por dinheiro, que não conhece limite e tende ao infinito.”[6]


[1] The Politics of Aristotle, editada e traduzida por Ernest Barker (New York: Oxford University Press, 1945), I, 1257a and 1133b.
[2] Aristotle, Nicomachean Ethics, trans. Terence Irwin (Indianapolis, Indiana: Hackett Publishing, 1985), V, 1133a.
[3] Ibid. Cf. Hutchinson, School of Salamanca, pp.20-21.
[4] Hutchinson, School of Salamanca, p. 22.
[5] Ibid., p. 38.
[6] Ibid., p.35. Cf. ST, II-II, Q. 77, Art. 4.

03/08/2007

Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte III

Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte II e Opondo-se à heresia austríaca


Dr. Peter Chojnowski


B) Os freis espanhóis e o sistema bancário renascentista

Para provar que os escolásticos, tardios ou não, não aderiram aos princípios libertários da vida econômica, é melhor citar os trabalhos históricos dos próprios neo-liberais. Os dois que nos chamam a atenção são A Escola de Salamanca: a Teoria Monetária Espanhola 1544-1605, de Marjorie Grice-Huntchinson [1] e São Bernardino de Siena e Santo Antonino de Florença: Os dois Grandes Pensadores Econômicos Medievais, de Raymond de Roover.[2] Nossa tarefa pode ser simplificada se pudermos demonstrar, usando a pesquisa dos próprios estudiosos neo-liberais, que os escolásticos tardios espanhóis de Salamanca, assim como os santos mencionados acima, estavam totalmente imersos dentro da grande tradição intelectual, social e econômica da cristandade católica, mais particularmente no que diz respeito à questão do “preço justo”. Se o “preço justo” for formulado de uma forma que inclua vários fatores além das exigências da “oferta e procura” (i.e., se houver um aspecto moral e social na determinação do preço), e, especialmente, se houver um papel para o “príncipe” na determinação dos “preços de mercado”, então podemos seguramente rejeitar a noção de que aqueles estudiosos católicos do passado aceitaram uma concepção peleo-capitalista de determinação do preço e, portanto, da vida econômica da sociedade como um todo.

Mesmo sendo a Universidade de Salamanca o lugar mais proeminente de ensino superior da Europa naquele tempo, foi a posição da Espanha de líder do Novo Mundo que preparou o ambiente para uma concentração de problemas de Economia estudados pelos escolásticos de Salamanca. O ouro e a prata vindos das Américas fez de Sevilha, o porto das embarcações cheias de tesouro, o centro econômico e o principal mercado financeiro da Europa Continental, em meados do século XVI.[3] Temos aqui um lugar onde havia uma grande circulação de dinheiro e um alto nível de preços. Tomas de Mercado (d. 1585), um dominicano mexicano que morou em Sevilha e pregava sobre a moralidade comercial, descreve a situação financeira e mercantil que lá se estabeleceu. Segundo Mercado, quando a frota chegava, cada mercador depositava no banco todo o tesouro que era trazido, para ele, das Índias e os banqueiros davam garantia às autoridades da cidade sobre o que estava depositado em seus estabelecimentos.[4] Os banqueiros prestavam esse serviço de graça e usavam os bens depositados para financiar suas próprias operações. A maior parte do ouro e da prata aportada pela frota passava, desta forma, pelas mãos dos banqueiros e servia como base do crédito. Essas transações ocasionavam a oportunidade para a usura. Como Mercado, então, reclamava, “os trocadores de dinheiro sugavam todo o dinheiro para suas instituições e quando, um mês depois, os mercadores precisavam de recursos, eles lhes emprestavam seu próprio dinheiro a uma taxa exorbitante.” Na Espanha, conclui Mercado, “um banqueiro abarca o mundo todo e abraça mais do que o Oceano, apesar de, algumas vezes, ele não conseguir manter estável todo o sistema e tudo cai por terra.” [5]

Essa crítica de Mercado (que morreu num navio em 1585 no caminho de volta ao México) contra as transações comerciais de banqueiros e comerciantes era a articulação de uma idéia que tinha uma origem antiga. O pagamento de juros pelo simples uso do dinheiro por um certo período de tempo era considerado usura e universalmente condenado. Muito do pensamento moral espanhol sobre Economia neste período era, especialmente, uma tentativa de atacar considerações morais surgidas para evitar a condenação da usura pelo Estado e pela Igreja.

A tentativa de lograr as leis da usura ocorreu de uma forma muito sutil. Ela se originou de uma tentativa aparentemente legítima de tratar de duas dificuldades encontradas pelos comerciantes de então. Primeiramente, havia, de modo geral, falta de moeda na época, o que exigia que os comerciantes contraíssem dívidas uns com os outros nas “feiras” comerciais, que ocorriam em vários lugares, em várias datas ao longo do ano. Em segundo lugar, os comerciantes do período, nas várias feiras, tinham de agir como trocadores de dinheiro, pois, freqüentemente, um débito era contraído num lugar, digamos Sevilha, e quitado em outro, digamos Flanders. A esse respeito, era geralmente aceito, que um comerciante que emprestava o dinheiro num lugar e o recebia em outro, tinha direito a um pagamento por seus serviços. Mesmo em relação a esse tipo de “serviço financeiro,” cobrar uma taxa similar para transferências de dinheiro de uma feira espanhola para outra era proibido por um decreto real de 1551.[6] A Coroa Católica Espanhola estava até mesmo disposta a “desarranjar todo o negócio das feiras” a permitir que os comerciantes se envolvessem com o desnecessário “serviço financeiro.” Havia também situações nas quais o dinheiro emprestado não seria devolvido na próxima feira, mas um ano depois. Devido às “taxas” de tais “serviços financeiros,” estes se tornaram empréstimos camuflados de taxas de serviço e envolviam altos juros. Segundo Grice-Hutchinson, isso gerou “vários decretos tanto da Igreja quanto do Estado.”[7]

É no momento de tratar da questão de transferência de fundos de uma feira a outra, que Grice-Hutchinson, como representante da escola econômica neo-liberal, se atém à questão do “preço” e nos fatores determinantes dos “preços”, tanto do dinheiro quanto dos bens.
[1] Marjorie Grice-Hutchinson, The School of Salamanca: Readings in Spanish Monetary Theory 1544-1605 (Oxford: Clarendon Press, 1952).
[2] Raymond de Roover, San Bernadino of Siena and Sant' Antonino of Florence: The Two Great Economic Thinkers of the Middle Ages (Boston: Harvard University Printing Office, 1967).
[3] Hutchinson, School of Salamanca, pp. 1-6.
[4] Ibid., p8.
[5] De Tomas de Mercado, Tratos y contratos de mecaderes publicado em Salamanca en 1569 citado em Hutchinson, pp.4-8.
[6] Ibid., pp.9-11.
[7] Ibid., p. l&.