28/08/2010

Um aprendiz tentando aprender

Sobre o Papado
"No seu conjunto, o papado tem sido uma instituição predominantemente benéfica para a Igreja Católica, dando-lhe um notável senso de unidade, propósito e identidade. Muitos pronunciamentos papais sobre temas sociais e éticos têm sido altamente relevantes em um mundo secularizado e materialista."

Prof. Angueth,
Encontrei a declaração acima num site protestante. O senhor poderia indicar-me um livro confiável sobre a história do papado? Fui confrontado a demonstrar a partir de que momento crítico se instalou o papado e estou com dificuldades de encontrar a literatura certa.
Em NSJC, Aprendiz
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Quem tem acompanhado os comentários dos posts do blog, está familiarizado com um assíduo leitor e comentador que se denomina Aprendiz. Ele tem feito não poucas observações e perguntas, que têm sido respondidas brilhantemente por outros leitores. Isto me levou a dizer que os comentários estavam melhores que os posts.

O Aprendiz agora me apresenta a pergunta acima, que tem algumas características que talvez sejam de interesse geral.

Primeiramente vemos um aprendiz já discutindo calorosamente (suponho) com protestantes temas muito caros a estes. Ao modo dos sofistas da antiguidade, os protestantes lançam suas mais desgastadas perguntas para tentar perturbar, abalar, destruir a Fé católica. A esperança do protestante é que o católico que não souber responder à pergunta comece a considerar sua ignorância como prova de que este tal de papado realmente nunca existiu, ou aceite a maliciosa resposta de seu interlocutor protestante; provavelmente na linha de que quem instituiu o papado tenha sido o imperador Constantino.

Vejam a malícia da colocação que fizeram ao aprendiz: “Fui confrontado a demonstrar a partir de que momento crítico se instalou o papado”. Esta confrontação pressupõe que existia a igreja, comunidade dos cristãos, que vivia muito bem. Houve, então, um momento crítico (sabe-se lá que momento foi este!) a partir do qual os homens de então, movidos por sabe-se lá que objetivos e intenções!, decidiram instituir um papa, para por fim à crise e apaziguar os ânimos; criaram uma figura para simbolizar a autoridade daquela comunidade de homens, dotaram-na de poderes suficientes para resolver a situação momentânea e tal figura teve, a partir daí, uma história que pode ser então contada. Claro que podemos ir um pouco mais longe neste raciocínio malicioso e dizer que foi preciso então que, no século XVI, aparecesse um homem que percebeu isso tudo e se rebelou contra esta figura simbólica. Foi o primeiro a perceber a falácia em 1500 anos; seu nome é Lutero.

Se aceitarmos a pergunta já estamos vencidos no debate. Não existe Igreja sem Papa, nem Papa sem Igreja. As duas coisas nasceram exatamente no mesmo instante e são inseparáveis.

Mas retornemos à confrontação: em que momento crítico foi criado o papado? Esta pergunta tem uma resposta canônica; poder-se-ia recorrer, para isso, ao Evangelho (por exemplo, Mt. 16: 13-19). Mas vou usar aqui uma passagem de Hereges de Chesterton para descrever este momento crítico da criação do papado, esta instituição inseparável da Igreja. Diz o grande escritor inglês, ao final do capítulo IV de seu livro: “Quando Cristo, num momento simbólico, estava estabelecendo Sua grande sociedade, Ele escolheu para sua pedra fundamental não o brilhante Paulo, nem o místico João, mas um embusteiro, um arrogante, um covarde – em uma palavra, um homem. E sobre aquela pedra Ele construiu Sua Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela. Todos os impérios e reinos fracassaram, por causa dessa inerente e contínua fraqueza: eles foram fundados sobre homens fortes. Mas essa coisa única, a Igreja Cristã histórica, foi fundada sobre um homem fraco, e por esta razão é indestrutível. Pois nenhuma corrente é mais forte que seu elo mais fraco.”

Poder-se-ia também recorrer ao Denzinger (Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral) para se ver a primeira prova escrita da autoridade de Roma sendo exercida, para dispersar uma crise na Igreja de Corinto; isto em 92 d.C. (Dz. 102)! Neste documento, o Papa Clemente I, ao final das exortações papais, diz: “Mas se alguns não obedecerem àquilo que por Ele [Cristo] é dito através de nós, saibam que serão implicados numa culpa e num perigo não pequeno.” Quem fala aqui é o quarto papa, depois de Pedro, Lino e Anacleto. Note que nesta crise da Igreja em Corinto nenhum outro bispo intervém, pois que isto era matéria para o representante de Cristo na Terra. Foi então que o Papa Clemente I se pronunciou, com a autoridade de Cristo (àquilo que por Ele é dito através de nós).

Caro Aprendiz, você me pede indicação de livros para responder aos seus interlocutores protestantes e eu os indico: os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos. Depois, se lhe interessar, a História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia. Para consulta é indispensável o Denzinger.

Uma sugestão para terminar: não entre numa discussão se não for para ou convencer seu interlocutor ou a platéia que assiste a discussão. Se estes dois objetivos não são possíveis, fuja da discussão; ela será vã.

21/08/2010

POR QUE SOU CATÓLICO

Do livro A Coisa, 1929
Gilbert Keith Chesterton

Nota do blog: Há um texto de Chesterton já publicado neste blog com este mesmo título, tirado do livro Twelve Modern Apostles and Their Creeds (1926). Este agora é do livro A Coisa, de 1929. Este capítulo passou, em edições posteriores, a ser um subtítulo ao livro: A Coisa – Por Que Sou Católico.


O editorial de um jornal diário foi devotado ao Novo Livro de Oração;[1] sem ter nada de novo a falar sobre ele. Assim, o texto consistiu, principalmente, na repetição, pela milésima vez, que o inglês comum deseja uma religião sem dogma (seja lá o que isso queira dizer), e que as discussões sobre as questões da Igreja são inúteis e estéreis de quaisquer dos dois lados. Mas, tendo lembrado repentinamente que essa equalização dos dois lados tinha a possibilidade de envolver uma leve concessão ou consideração pelo nosso lado, o escritor rapidamente se corrigiu. Ele sugeriu que, embora seja errado ser dogmático, é essencial ser dogmaticamente protestante. Sugeriu também que o inglês comum (aquele sujeito útil) estava muito convencido, apesar de sua aversão a todas as diferenças religiosas, que era vital à religião diferir do catolicismo. Ele estava convencido (ficamos sabendo) que a “Inglaterra é tão protestante quanto o mar é salgado.” Observando reverentemente o profundo protestantismo do Sr. Michael Arlen, ou do Sr. Noel Coward, ou da mais recente jazz dance em Mayfair,[2] podemos ser tentados a perguntar: se o sal perde seu sabor, com que ele deve ser salgado? Mas visto que podemos justificadamente deduzir dessa passagem que Lord Beaverbrook, o Sr. James Douglas, o Sr. Hannen Swaffer e todos os seus seguidores são verdadeiramente austeros e inflexíveis protestantes (e como sabemos que os protestantes são famosos por seu detalhado e apaixonado estudo das Escrituras, livres das influências do Papa e dos padres), podemos mesmo tomar a liberdade de interpretar o que foi afirmado à luz de um texto menos familiar. Será possível que ao comparar o protestantismo com o sal marinho o jornalista estivesse assombrado com alguma débil memória de outra passagem, em que a mesma Autoridade falava de uma fonte sagrada e singular de água viva, porque era água vivificante, que realmente saciava a sede dos homens; enquanto todos os outros lagos e poças eram diferentes porque os que deles bebiam voltavam a ter sede? Isto é uma coisa que acontece ocasionalmente a quem bebe água salgada.

Este é talvez um modo provocativo de iniciar a apresentação de minha mais forte convicção; mas gostaria de respeitosamente alegar que a provocação veio do protestante. Quando o protestantismo afirma calmamente governar todas as almas da forma com que a Britannia governa os mares, é permissível retorquir que a quintessência mesma de tal sal pode ser abundantemente encontrada no Mar Morto. Mas é ainda mais permissível retorquir que o protestantismo está afirmando o que nenhuma outra religião pode, no momento, afirmar. Ele está calmamente alegando a fidelidade de milhões de agnósticos, ateus, pagãos hedonistas, místicos independentes, investigadores psíquicos, teístas, teosofistas, seguidores de cultos orientais e alegres companheiros que vivem como as bestas que perecem. Pretender que todos eles sejam protestantes é rebaixar consideravelmente o prestígio e a significância do protestantismo. É fazê-lo meramente negativo; e o sal não é negativo.

Tomando isto como um texto e um teste do presente problema da escolha religiosa, encontramo-nos a princípio frente ao dilema sobre a religião tradicional de nossos pais. O protestantismo como o aqui mencionado é ou uma coisa negativa ou uma coisa positiva. Se o protestantismo for uma coisa positiva, não há nenhuma dúvida de que ele está morto. Na medida em que ele foi realmente um conjunto de crenças espirituais, ele não é mais crido. O credo protestante genuíno não é agora mantido por quase ninguém – muito menos pelos protestantes. Eles perderam tão completamente a fé nele, que quase esqueceram o que ele era. Pergunte a qualquer homem moderno se salvamos nossas almas apenas por meio de nossa teologia ou se fazer o bem (ao pobre, por exemplo) nos ajudará no caminho até Deus; e ele responderá, sem hesitação, que boas obras são provavelmente mais agradáveis a Deus que teologia. Seria provavelmente uma surpresa para ele saber que, por trezentos anos, a fé na fé apenas foi o distintivo do protestante, e a fé nas boas obras o vergonhoso distintivo de um papista infame. O inglês comum (para introduzir nosso velho amigo uma vez mais) não teria nenhuma dúvida sobre o mérito da longa contenda entre o catolicismo e o calvinismo. E aquela foi a mais importante contenda intelectual entre o catolicismo e o protestantismo. Se ele acredita num Deus, ou mesmo que ele não acredite, ele muito certamente preferiria um Deus que tivesse criado todos os homens para o contentamento, e desejasse salvá-los todos, a um Deus que tivesse deliberadamente criado alguns para o pecado involuntário e para a miséria imortal. Mas esta era a contenda, e era o católico que mantinha a primeira posição e o protestante a segunda. O homem moderno não apenas não compartilha, ele sequer compreende, a aversão anormal dos puritanos a toda arte e beleza em relação à religião. Mesmo assim, esse foi o real protesto protestante; e as matronas protestantes de meados do período vitoriano ficavam chocadas com vestidos brancos, quem dirá com uma vestimenta colorida. De praticamente toda a acusação essencial pela qual a Reforma realmente colocou Roma no banco dos réus, Roma foi, desde então, absolvida pelos jurados de todo o mundo.

É a mais pura verdade que encontramos erros reais, que provocaram rebelião, na Igreja Romana pouco antes da Reforma. O que não conseguimos encontrar é um daqueles erros que a Reforma reformou. Por exemplo, era um abuso abominável que a corrupção dos monastérios algumas vezes permitisse que um nobre rico se passasse por patrão ou mesmo abade, ou se valesse das rendas que supostamente pertenciam a uma irmandade pobre e caridosa. Mas tudo que a Reforma fez foi permitir que o mesmo nobre rico tomasse posse de TODA a renda, apoderasse de toda a casa e a transformasse num palácio ou numa pocilga, e apagasse totalmente a última inscrição da pobre irmandade. As piores coisas de um catolicismo mundano foram feitas piores pelo protestantismo. Mas as melhores coisas permaneceram de alguma forma através da era da corrupção; não, elas sobreviveram até mesmo a era de reforma. Elas sobrevivem hoje em todos os países católicos, não somente na cor, poesia e popularidade da religião, mas nas mais profundas lições da psicologia. Elas foram tão completamente justificadas, depois do julgamento de quatro séculos, que cada uma delas está agora sendo copiada, até mesmo por aqueles que a condenaram; ocorre, contudo, que a cópia é, muitas vezes, apenas uma caricatura. A psicanálise é a Confissão sem a salvaguarda confessional; o comunismo é o movimento franciscano sem o moderado equilíbrio da Igreja; e as seitas americanas, tendo urrado por três séculos contra a teatralidade papista e o mero apelo aos sentidos, agora “abrilhantam” suas cerimônias com filmes super-teatrais e com raios de luz vermelha caindo sobre a cabeça do ministro. Se tivéssemos um raio de luz para lançar, não deveríamos lançá-lo no ministro.

Por outro lado, o protestantismo pode ser uma coisa negativa. Em outras palavras, ele pode ser uma lista nova e totalmente diferente de acusações contra Roma; uma continuação apenas, pois ainda é contra Roma. Isto é o que, em grande medida, ele é; e isso é presumivelmente o que realmente quis dizer o DAILY EXPRESS quando disse que nosso país e nosso compatriota estão saturados de protestantismo como o estão de sal. Em outras palavras, a lenda de que Roma está errada de qualquer forma, é ainda uma coisa viva, embora todas as características do monstro estejam agora inteiramente alteradas na caricatura. Mesmo isso é um exagero, se aplicado à Inglaterra atual; mas há ainda uma verdade nisso. Ocorre que a verdade, quando verdadeiramente percebida, dificilmente será satisfatória para um honesto e genuíno protestante. Pois, afinal, que tipo de tradição é esta, que conta uma história diferente a cada dia ou a cada década, e se satisfaz contanto que todas as lendas contraditórias sejam ditas contra um homem ou uma instituição. Que tipo de causa santa a ser herdade de nossos ancestrais é essa que nos faz continuar a odiar algo ou a ser consistentes apenas no ódio; enquanto somos volúveis e falsos em tudo o mais, mesmo em nossa razão para odiar? Poremo-nos seriamente a inventar um novo conjunto de histórias contra o conjunto de nossos companheiros cristãos? É isto o protestantismo; e vale a pena compará-lo ao patriotismo ou ao mar?

De todo modo, essa era a situação que me descobri enfrentando quando comecei a pensar nessas coisas, a criança de uma ancestralidade puramente protestante e, no sentido comum, de um lar protestante. Mas, de fato, minha família tendo se tornado liberal, não era mais protestante. Fui criado como um tipo de universalista e unitarista; aos pés daquele homem admirável, Stopford Brooke. Não era protestantismo, exceto num sentido muito negativo. Muitas vezes era o oposto completo do protestantismo, mesmo naquele sentido. Por exemplo, o universalista não acredita no Inferno; e era enfático em dizer que o paraíso era um estado mental feliz – “uma disposição mental”. Mas ele tinha a percepção para ver que a maioria dos indivíduos não vive ou morre num estado mental tão feliz que lhes assegurará um paraíso. Se o paraíso for uma disposição mental, ele certamente não será universal; e muitos passam pela vida numa miserável disposição mental. Se todos estes forem possuir o paraíso, apenas por meio da felicidade, parecia claro que algo devia lhes acontecer primeiro. O universalista, portanto, acreditava num progresso depois da morte, ao mesmo tempo castigo e aprendizado. Em outras palavras, ele acreditava no Purgatório; embora não acreditasse no Inferno. Certo ou errado, ele obviamente contradizia completamente o protestante, que acreditava no Inferno, mas não no Purgatório. O protestantismo, através de toda a história, travou uma incessante guerra a esta idéia de Purgatório ou progresso além túmulo. Vim a perceber na visão católica completa verdades muito mais profundas sobre todas as três idéias; verdades relativas à vontade, criação e o mais glorioso amor de Deus pela liberdade. Mas mesmo no começo, embora não pensasse em nada de catolicismo, eu não conseguia perceber por que devia ter qualquer preocupação como o protestantismo; que sempre dissera o diametralmente oposto ao que um liberal agora devia dizer.

Descobri, em resumo, que não havia mais nenhuma razão para me apegar à fé protestante. Era uma simples questão de me apegar ou não do feudo protestante. E com enorme perplexidade, descobri muitos de meus companheiros liberais ansiosos em continuar no feudo protestante, embora não mais professassem a fé protestante. Não tenho o direito de julgá-los; mas pareceu-me, confesso, como uma feia indignidade. Descobrir que você vem difamando alguém por alguma coisa, recusar a se desculpar e inventar outra história plausível contra tal pessoa de forma que você possa manter o espírito de difamação, pareceu-me de início um modo muito vil de comportamento. Resolvi pelo menos considerar os próprios méritos da instituição difamada original e a primeira e mais óbvia pergunta era: por que os liberais eram tão pouco liberais em relação a ela? Qual era o significado do feudo, tão constante e tão inconsistente? Essa questão levou um longo tempo para ser respondida e levaria agora muito mais tempo para ser descrita. Mas ela me levou à única resposta lógica, que cada fato da vida agora confirma; que a coisa é odiada, como nada mais é odiado, simplesmente porque ela é, no exato sentido da expressão popular, como nada neste mundo.

Há aqui espaço apenas para indicar uma dentre milhares de coisas que confirmam o mesmo fato e confirmam umas às outras. Eu poderia escolher qualquer assunto aleatoriamente, da carne de porco à pirotecnia, e mostrar que ele ilustra a verdade da única verdadeira filosofia; tão realista é a observação de que todos os caminhos levam à Roma. De todos eles, tomo aqui apenas um fato; que a coisa é perseguida época após época por um ódio irracional que muda permanentemente sua razão. Ora, quase todas as heresias mortas estão, pode ser dito, não só mortas como condenadas; isto é, estão condenadas ou serão condenadas pelo senso comum, mesmo fora da Igreja, uma vez que sua atmosfera e mania tiverem passado. Ninguém hoje deseja reviver o Direito Divino dos reis que os primeiros anglicanos defenderam contra o Papa. Ninguém hoje deseja reviver o calvinismo que os primeiros puritanos defenderam contra o rei. Ninguém hoje lamenta que os iconoclastas foram impedidos de destruir todas as estátuas na Itália. Ninguém hoje se lamenta de que os jansenistas fracassaram em destruir todos os dramas da França. Ninguém que saiba alguma coisa sobre os albigenses deplora que eles não tenham convertido o mundo ao pessimismo e à perversão. Ninguém que realmente compreenda a lógica dos Lollards (um grupo de indivíduos muito mais simpáticos) anseia realmente que eles tivessem sido bem sucedidos em tirar todos os direitos e privilégios políticos daqueles que não estivessem em estado de graça. “Autoridade fundada na Graça” era um ideal devoto, mas considerado como um plano para desrespeitar um policial irlandês que controla o tráfego no Picadilly, até que descubramos se ele se confessou recentemente a um padre irlandês, é falta de realismo. Em nove entre dez casos, a Igreja simplesmente foi o esteio da sanidade e do equilíbrio social contra hereges que eram às vezes muito parecidos com lunáticos. Mesmo assim, em cada momento particular, a pressão do erro predominante era muito grande; o exagerado erro de toda a geração, como a força da Escola de Manchester nos “anos cinqüenta” ou o Socialismo Fabiano como uma moda, em minha própria juventude. O estudo de casos históricos mostra-nos comumente o espírito da época indo na direção errada, e os católicos indo na direção, pelo menos, relativamente certa. É como uma mente sobrevivendo a centenas de diferentes estados de humor.

Como eu disse, esse é apenas um aspecto; mas foi o primeiro que me afetou e que me levou aos outros. Quando um martelo acerta o prego certo bem na cabeça centenas de vezes, acabamos por suspeitar que não é inteiramente por coincidência. Mas essas provas históricas não seriam nada sem as provas humanas e pessoais, que demandariam uma descrição completamente diferente. Basta dizer que aqueles que conhecem a prática católica a consideram não somente certa, mas sempre certa quando tudo o mais está errado; tornando a Confissão o trono mesmo da sinceridade, quando o mundo lá fora fala dela como um tipo de conspiração; preservando a humildade, quando todos estão louvando o orgulho; carregada de caridade sentimental, quando o mundo fala de um brutal utilitarismo; carregada de severo dogmatismo, quando o mundo está ruidoso e dissoluto com seu vulgar sentimentalismo – com acontece hoje. No lugar em que os caminhos sem encontram, não há dúvida da convergência. Um homem pode pensar todo o tipo de coisas, a maioria delas honesta e muitas delas verdadeiras, sobre o lado certo para o qual se virar no labirinto de Hampton Court. Mas ele não pensa que está no centro; ele sabe.



[1] Uma das muitas versões do livro publicado em 1549, produto da Reforma Inglesa. É um livro que contém o missal, todos os ritos sacramentais – batismo, confirmação, casamento, etc. – cânticos, ladainhas e os Salmos. (N. do T.)
[2] Área central de Londres. (N. do T.)

19/08/2010

Leitores melhores que blogueiro

Este blog tem uma grande vantagem: tem leitores muito melhores que o blogueiro. Assim, sugiro a todos que leiam os comentários dos posts que são, via de regra, melhores que os próprios posts. É o que acontece com o post Wendy "strikes again", cujos comentários são abrilhantados pela participação de Marcus Pimenta e Pe. Vagner, dentre outros.

14/08/2010

Wendy “strikes again”

 

Um leitor protestante, de nome Wendy, envia-me dois longuíssimos comentários aos posts Irmã católica puxa a orelha do blogueiro e Chesterton e a Ciência Cristã. Ele inicia ambos os conjuntos de comentários com palavras elogiosas ao blogueiro, pelas quais agradeço de coração.

Mas seus comentários são, desculpe-me a repetição, o lenga-lenga de sempre, que pode ser resumido assim: (1) a Igreja não existia nos tempos apostólicos e foi fundada por Constantino (a la Dan Brown); (2) a interpretação protestante das Escrituras é a única interpretação verdadeira.

A irritante ignorância histórica auto-imposta dos protestantes é algo que surpreende o mundo há milênios; eu disse milênios e não séculos, pois os protestantes são muito mais antigos que Lutero e Calvino. Estes são herdeiros pós-medievais dos hereges mais antigos, os gnósticos, dos quais não me canso de falar. Uma prova histórica disso (atenção Wendy!, se você quiser permanecer protestante, desconheça esta prova) se encontra no livro de Santo Irineu, Contra as Heresias [cito da 2ª. edição da Paulus, 1995], que diz, falando dos hereges gnósticos (Livro III: 2,2-2,3): “Quando, por nossa vez, os levamos à Tradição que vem dos apóstolos e que é conservada nas várias igrejas, pela sucessão dos presbíteros, então se opõem à tradição, dizendo que sendo mais sábios que os presbíteros, não somente, mas até dos apóstolos, foram os únicos capazes de encontrar a verdade. (...) Nossa batalha, caríssimo, é contra estes, que escorregadios como serpentes, tentam se esgueirar de todos os lados.” Cito propositadamente Santo Irineu, pois ele viveu antes de Constantino, uns 150 anos depois que Jesus foi crucificado. Ele foi aluno de Santo Policarpo, bispo de Esmirna, que foi discípulo de São Pedro, aquele sobre o qual Cristo edificou a sua Igreja.

Wendy diz: “É um típico exagero católico pegar uma doutrina ortodoxamente apostólica, que desconhecia a ICAR como a conhecemos, e expô-la como se os próprios apóstolos fossem fiéis católicos, o que é uma coisa risível.” A se acreditar no leitor protestante, deve ter acontecido um fato histórico extraordinário. Se os apóstolos não instituíram a “Igreja como a conhecemos”, todos os seus discípulos diretos dela falavam e nela se incluíam. E mais, tentavam converter todo mundo a esta Igreja.

Por exemplo, Clemente que viveu no primeiro século, foi o 3º Papa; Tertuliano afirma que ele foi consagrado bispo pelo próprio Pedro. Pois bem, ele escreveu uma carta aos coríntios que, calcula-se, foi escrita entre 81 e 96 d.C. e que começa assim: “A Igreja de Deus que vive como estrangeira em Roma, para a Igreja de Deus que vive como estrangeira em Corinto.” Então, como aconteceu que tanto Clemente como Irineu, falassem de Igreja de Roma, da Igreja em Corinto, de bispos, de presbíteros, etc., e que esta Igreja não fosse uma instituição como a que conhecemos hoje? São João talvez ainda estivesse vivo quando a carta de Clemente foi escrita. Como aconteceu que os discípulos diretos dos apóstolos estivessem falando de uma instituição em completa ruptura com a doutrina e os ensinamentos de Jesus Cristo, que os apóstolos tinham lhes ensinado? Qualquer um que examine a doutrina ensinada por estes homens, verá que é exatamente a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. E atenção!, isso tudo ANTES de Constantino.

É preciso ter uma ignorância auto-imposta para não saber que a Igreja antes de Constantino e a Igreja depois de Constantino são a mesma Igreja, como a conhecemos; não houve nenhuma ruptura. Para se convencer disto, basta ler a História Eclesiástica, de Eusébio de Cesárea. Neste livro, Eusébio dá toda a linha de sucessão de todas as sés apostólicas do mundo, desde os apóstolos até os bispos que então eram vivos. E notem os leitores: Eusébio viveu no tempo de Constantino.

Mas voltemos a Santo Irineu que, repito, é anterior a Constantino. Ele diz (Livro III: 3,1-3,2): “Portanto, a tradição dos apóstolos, que foi manifestada no mundo inteiro, pode ser descoberta em toda a Igreja por todos os que queiram ver a verdade. Poderíamos enumerar aqui os bispos que foram estabelecidos nas Igrejas pelos apóstolos e os seus sucessores até nós. (...) Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos Pedro e Paulo.” Ele continua, então, enumerando a sucessão de Roma. A quem está Santo Irineu se dirigindo aqui? Aos “protestantes” do século II d.C., claro! Aos hereges que estavam alegando exatamente o que Wendy alega hoje, dois milênios depois; são os mesmos hereges, e mesma deve ser a resposta: vai estudar história, ignorante!

São Vicente de Lerins lança, em seu Comunitório, o que talvez seja o alerta mais pungente contra os “protestantes” de sua época, século V. Falando de como os hereges de então recorriam à Escritura para suas “exalações pestilentas” que eles procuram perfumar com “o aroma da palavra celestial”, ele, com acerto, identificou a “tática pérfida de seu autor e mestre”, satanás. Em seguida, ele diz (cito da edição da Permanência, 2010): “Mas alguém poderá perguntar-me: onde se prova que o demônio costuma usar os textos da Sagrada Escritura? Então leiamos os Evangelhos, nos quais está escrito: ‘Então o demônio transportou-o e pô-lo sobre o pináculo do templo e disse-lhe: Se és filho de Deus lança-te daqui abaixo. Porque está escrito: Porque mandou seus anjos em teu favor, que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te levarão nas suas mãos, para que o teu pé não tropece em alguma pedra.’ [Mt, 4, 5s]” Então o demônio protestante está dizendo a Jesus para que Ele se lance “daqui abaixo”; por quê? “Porque está escrito!” Este é o profundo conhecedor da Escritura, este é a víbora, este o nosso inimigo; mas ele é versado nas Escrituras, não nos enganemos.

E assim, inspirado pelo “seu mestre” os hereges de todos os tempos procuram nos enganar com suas “exalações pestilentas” misturadas ao “aroma da palavra celestial”. A eficácia da estratégia demoníaca, que os hereges de todos os tempos usaram, não é tanto a novidade da heresia (pois todas são, em essência, muito antigas), mas a insistência de seu discurso. Lenin, o russo comunista, sabia bem disso quando dizia que uma mentira repetida muitas vezes torna-se verdade.

Mas já vai longo este post. Não publicarei os comentários de Wendy, pois eles contêm tantas confusões e tantas inverdades que, para desfazê-las, eu teria de gastar um tempo que não tenho. Seus comentários têm, meu Word me informa, 9.754 toques, enquanto que minha resposta a apenas duas mentiras já se aproxima dos 7.000 toques. Fiquemos, assim, por aqui.

09/08/2010

Chesterton e a Ciência Cristã

 

O Sr. Jackson Guterres encaminha a este blogueiro um e-mail com uma resposta a um artigo de Chesterton publicado pelo blog: Um artigo comum. Agradeço os esclarecimentos e a visita a meu blog. Faço abaixo alguns comentários a respeito da missiva do Sr. Guterres, de que cito alguns trechos.

Na introdução ao artigo de Chesterton eu dizia: com este texto, Chesterton usa seu magistral conjunto de instrumentos literários para, de uma forma simples, talvez até simplória – dada a audiência a que ele se dirigia – para nos mostrar que qualquer sistema mais ou menos auto-sustentável de crença – seja ele político ou religioso –, usa, senão todos, alguns procedimentos do único sistema realmente auto-sustentável e indestrutível de crença jamais criado, a Igreja Católica – pois Quem a criou é a fonte da sua sustentação e força. Todos eles se reúnem em concílios, todos editam seus anátemas, todos excomungam hereges, todos são altamente sensíveis às heresias. Contudo, só a Igreja é acusada de fazer tudo isso.

No artigo, Chesterton usa como exemplos tanto a Igreja Anglicana quanto a Ciência Cristã. Eu sugiro que se leia o artigo antes de continuar a leitura deste post.

O Sr. Guterres, para corrigir Chesterton (ai, meu Jesus Cristinho!) e talvez a mim, e falando em nome de um Comitê de Publicação da Ciência Cristã no Brasil, diz: A Igreja da Ciência Cristã é uma igreja de leigos, não há sacerdotes, nem credos, encíclicas, excomunhão e heresias num movimento religioso aberto, engajado com a cura cristã e com o Cristianismo primitivo. Sua teologia está explicitada no livro: Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras; os detalhes organizacionais e essenciais, aos membros e à instituição, estão no Manual d'A Igreja Mãe - ambos de autoria da Sra. Eddy.

Não percebe o Sr. Guterres a ironia da situação. Com o trecho acima, ele declara exatamente o credo e os dogmas da sua religião. Quem concordar com isso é membro da religião, quem discordar é de outra religião. Agora, quem discordar disso e ainda assim afirmar ser um cientista cristão, quem discordar da Sra. Eddy e ainda assim afirmar que professa a verdadeira ciência cristã, este é um herege e será declarado assim por todos os comitês que lá existirem. Eu afirmo isso, mesmo sem conhecer profundamente a tal denominação dita cristã, porque assim acontece com qualquer religião no mundo. Nenhuma delas consegue conviver com quem, em seu seio, negue seus principais dogmas. Por isso, não acredito quando o Sr. Guterres diz que não há hereges para a Ciência Cristã; isso não pode ser verdade. Sobre dissidentes (hereges?) da Ciência Cristã, ver aqui e aqui.

Há, é verdade, uma menção ao cristianismo primitivo. Todos os hereges cristãos falam de cristianismo primitivo, querendo se referir a uma pureza que existia antes e não existe mais. Mas, antes de quê? Eles responderiam sem pestanejar: antes de o malvado Constantino ter criado a Igreja Católica, que pôs tudo a perder. É a mesma lenga-lenga de sempre. E note que a Ciência Cristã, tendo nascido em 1866, fala com toda a pompa de cristianismo primitivo. Bem, o que ela tem a ver com o cristianismo primitivo é só o fato de ser uma heresia moderna que tem ligações com as heresias do tempo do cristianismo primitivo, sobretudo o gnosticismo. O gnosticismo apareceu na história dos ataques à Igreja Católica com vários nomes e tendências. Apareceu, em primeiro lugar, como maniqueísmo, depois como catarismo, apareceu ainda, depois da Reforma, como puritanismo principalmente, embora todas as denominações protestantes tenham sabores gnósticos; e a Ciência Cristã é apenas mais uma filha da Reforma.

O Sr. Guterres não informa, não se sabe a razão, que a Sra. Eddy, depois de afirmar ter tido uma revelação de Deus para escrever seu manual teológico, começou a dar aulas a US$300 (dólar de 1881, que equivale a aproximadamente U$S 6.000, a preço de hoje) por 12 lições sobre sua metafísica. Não informa também que ela morreu milionária em 1910.

É curioso que o Sr. Guterres se mobilize para responder Chesterton no citado artigo, pois ele faz alusão a esta religião em um sem número de escritos. Por exemplo, para citar livros dele traduzidos para o português, em Ortodoxia, o grande católico inglês diz, ao final do capítulo “Paradoxos do Cristianismo”: “Ser arrastado por qualquer dessas teorias novas, desde o Gnosticismo até a Ciência Cristã, teria, sem dúvida, sido óbvio e fácil.” Cito o trecho da edição de 2001 da LTr, trad. de Cláudia A. Tavares. Há uma nota de rodapé (nota 162), não sei se da tradutora ou do editor, que diz apropriadamente: “O gnosticismo foi uma das primeiras heresias no cristianismo, contra o qual já alertava S. João, por pregar que os ensinamentos de Cristo eram apenas para determinados eleitos, como uma ciência superior e secreta, revelada só a uns privilegiados. A Ciência Cristã é uma variação moderna da mesma doutrina.

Em “O Homem Eterno”, Chesterton diz: “Todos temos ouvido dizer que o cristianismo levantou-se em uma época de barbarismo. O mesmo se podia afirmar que a Ciência Cristã ergueu-se, nasceu, em uma época de barbárie. Podem pensar que o Cristianismo foi um sintoma de decadência social, como eu penso que a Ciência Cristã é um sintoma de decadência mental.” (Cito este trecho de uma edição sem data, sem editora e sem tradutor que adquiri da Editora Quadrante).

Não só Chesterton se refere à Ciência Cristã. Hilaire Belloc, em seu livro As Grandes Heresias, diz, referindo-se à heresia de nosso tempo, que ele chama de ataque moderno: “O ataque moderno é materialista porque em sua filosofia só considera causas materiais. É supersticioso somente como um subproduto desse estado mental. Nutre, em sua superfície, os tolos caprichos do espiritualismo, o contra-senso vulgar da “Ciência Cristã,” e, sabe Deus quantas outras fantasias.

O Sr. Guterres informa ainda que: “Os cientistas cristãos amam e praticam a regra áurea, alteridade e boas relações com as diferentes religiões e crenças. A fé na onipotência divina, cumpre o primeiro mandamento e pode ser vivenciada em bons frutos e no amor ao próximo.

Toda heresia, nos ensina Belloc, toma uma verdade católica, a exagera ao máximo, e a adorna com outras coisas não católicas. A heresia só sobrevive pela verdade católica que mantém. Parece que é o caso da onipotência divina dos cientistas cristãos.

O Sr. Guterres também não nos informa que a Ciência Cristã, embora se diga cristã, nega (ver aqui):

1. A Trindade;

2. A Encarnação;

3. A Ressurreição;

4. A Redenção, portanto;

5. A existência do Inferno;

6. Etc.

Com esta lista de negações, não admira que tanto Chesterton quanto Belloc tenham escrito, como bons católicos, contra a Ciência Cristã.

05/08/2010

Irmã católica puxa a orelha do blogueiro

 

Caro Sr. Angueth...Os caçadores de heresias na época de Jesus eram os fariseus e não os seguidores de Cristo, que eram exortados a irem viver o Evangelho como experiência. Acredito que os seus posicionamentos se aproximem mais do fanatismo que, propriamente, do catolicismo. Espero, sinceramente, que você possa dar um apoio real a alguém que sofre, em lugar de perder o seu tempo com essas vaidosas tagarelices. Em Cristo. De sua irmã Católica.

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Cara irmã católica,

Salve Maria Santíssima!

Há três aspectos em seu comentário que é bom considerar:

1. Os caçadores de heresias na época de Jesus eram os fariseus e não os seguidored de Cristo;

2. Os seguidores de Cristo eram exortados a irem viver o Evangelho como experiência;

3. Espero, sinceramente, que você possa dar um apoio real a alguém que sofre, em lugar de perder o seu tempo com essas vaidosas tagarelices.

Em primeiro lugar, agradeço o seu interesse em meu blog e em postar um comentário que demonstra uma preocupação comigo enquanto católico. Todo católico deve chamar a atenção de um católico vaidoso. Eu agradeço por me lembrar que não sou humilde, pois é verdade. Falta muito para eu caminhar nesta trilha virtuosa. Agradeço também por me sugerir fazer mais caridade: “dar apoio real a alguém que sofre”. Agradeço por me lembrar que não sou caridoso como deveria, pois é verdade.

Dito isso, permita-me também preocupar-me com a senhora como católicae falar também algumas verdades para a senhora. Em primeiro lugar, ao ler sua mensagem, não pude deixar de lembrar um trecho de um livro de Chesterton sobre sua conversão (A Igreja Católica e a Conversão). Diz o autor, muito provavelmente descrevendo sua própria experiência: “Há muitos convertidos que alcançaram um estágio que nenhuma palavra de qualquer protestante pode fazê-lo retroceder. Somente a palavra de um católico pode mantê-lo longe do catolicismo. Uma palavra tola desde dentro é mais danosa que milhares desde fora.” Devemos cuidar com o que sai da nossa boca. Lembro-me que Jesus disse algo parecido aos fariseus.

Vamos analisar as palavras que saíram da boca da senhora, num contexto em que estou discutindo com um leitor que se diz estudante sincero que, tendo tido uma criação protestante, está com o coração aberto para ouvir minhas palavras. A senhora diz que os fariseus caçavam heresias e nós não. Um dia alguém disse isso para a senhora, talvez um padre modernista, destes que não usam batina e não confessam os fiéis em confessionário; destes que pregam o comunismo como se fosse cristianismo. Não há outra fonte possível para a inverdade que a senhora disse.

Para provar que o que a senhora disse é uma inverdade basta consultar o Novo Testamento. Vamos lá! Eu vou ajudá-la a conhecer a Doutrina da Igreja. Sei que eu devia estar ajudando os que sofrem, mas o que se me apresenta agora é uma católica que não sabe a Doutrina da Igreja e minha obrigação é ensinar o pouco que sei.

Vou começar com São Paulo falando dos hereges e das heresias:

· “... combatas o bom combate, conservando a fé e a boa consciência, repelida a qual por alguns, naufragaram na fé: desse número são Himeneu e Alexandre, os quais eu entreguei a satanás, para que aprendam a não blasfemar.” (1 Tim. 1:19-20) Aqui Paulo chega a dar o nome dos hereges e diz para Timóteo lutar contra eles.

· “Ora, o Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns apostatarão da fé, dando ouvido a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios, que com hipocrisia propagam a mentira e têm cauterizada a sua consciência, que proíbem o matrimônio e o uso dos alimentos” (1 Tim. 4:1-3). Aqui Paulo dá uma definição precisa do que viria a ser os cátaros: contra o matrimônio e vegetarianos.

Vamos passar agora a São João:

· “Todo o que se aparta e não permanece na doutrina de Cristo, não tem Deus consigo; o que permanece na doutrina, este tem consigo o Pai e o Filho. Se alguém vem a vós e não traz esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis, porque quem o saúda, participa das suas obras más.” (2 Jo. 9-11) Alguém duvida de que São João, o discípulo muito amado, esteja falando de hereges aqui?

· “assim tens tu também sequazes da doutrina dos nicolaítas. Faze igualmente penitência; do contrário virei a ti brevemente, e pelejarei contra eles com a espada da minha boca.” (Apoc. 2: 15-15) Aqui São João fala de uma seita herética, dos nicolaítas, que ele vai combater.

Passemos agora a São Pedro:

· “Ora, assim como entre o povo houve falsos profetas, do mesmo modo haverá entre vós falsos doutores, que introduzirão seitas de perdição e renegarão aquele Senhor que os resgatou, atraindo sobre si mesmos uma pronta ruína.” (2 Ped. 2:1)

· “Sabei antes de tudo que nos últimos tempos virão embusteiros zombadores, vivendo segundo as suas concupiscências e dizendo: Onde está a promessa, ou a vinda dele?” (2 Ped. 3:3-4)

Deixemos, por último, que Nosso Senhor nos fale:

· “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêem a vós com vestes de ovelhas mas por dentro são lobos rapazes” (Mat. 7:15)

· “Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e seduzirão muitos.” (Mat. 24:5)

Há muitas outras citações do Novo Testamento que mostram tanto Jesus Cristo quanto seus apóstolos extremamente preocupados com os hereges e suas heresias. Assim, caríssima irmã católica, pare imediatamente de falar inverdades sobre assuntos que a senhora desconhece.

Estou aqui matutando o que a senhora entende por viver o Evangelho como experiência. Os trechos que citei acima mostram que fazia parte da experiência cotidiana de Jesus e os apóstolos alertarem e lutarem contra as heresias. De outro lado, não há como viver o Evangelho senão como experiência. Mas suspeito que essa coisa de viver o Evangelho como experiência pode querer dizer outra coisa: vivê-lo na base do “paz e amor”, na base do vale tudo religioso, na base de “toda religião é boa”. Se for isso, minha irmã católica, a senhora está muito longe do catolicismo, tenho a obrigação de lhe dizer. Digo até que, se a senhora realmente considerar que viver o Evangelho é praticar o ecumenismo dos padres sem batina, aí a senhora terá de se converter ao catolicismo!

Dou-lhe um conselho, para terminar. Compre e leia As Grandes Heresias, de Hilaire Belloc; este livro fará bem à senhora.

03/08/2010

Os cátaros e a dúvida de um leitor

Prof. Angueth,
Desculpe-me, mas o assunto é importante demais para que eu aceite sua resposta sem um pouco de questionamento.

Se os cátaros eram suicidas, e contra a reprodução da Humanidade, primeiramente eles próprios é que se exinguiriam.

Os sacrifícios que são exigidos dos cristãos são tão menores do que o suicídio e tão poucas pessoas se dispõem a fazê-los que eu não acredito que os tais cátaros pudessem ser bem-sucedidos nesse tipo de persuasão, a não ser que eles fossem terroristas assassinos com grande poder de extermínio.

Continuo tentando encontrar mais motivos que pudessem levar a Igreja Católica a correr o risco de desviar-se do Evangelho de Jesus Cristo ao usar a violência extrema, quando Ele mesmo preferiu sofrê-la.
Peço-lhe desculpas mais uma vez, pela insistência.
Quase-católico
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Caro Quase-católico,

Minha primeira resposta foi curta porque sua pergunta também o foi. Vamos lá, para algo mais estendido.

É preciso primeiro conhecer o que foi a heresia dos cátaros. Já lhe recomendei ler “As Grandes Heresias”; neste livro há um capítulo sobre os cátaros. Eles não foram o que você parece os considerar; um grupo suicida que só pedia para ser deixado de lado para se matar. Não! Eles queriam, e conseguiram por um tempo, tomar as dioceses católicas; eles pregavam que sua filosofia era a verdadeira, a “pura” filosofia católica. Toda heresia, e a dos cátaros não foi exceção, não pede para ser deixada de lado, afirma ser a verdadeira religião; e o que fazem hoje as milhares de seitas protestantes. Os cátaros queriam tomar a Igreja e a humanidade. Queriam que todos pensassem como eles! Foi aí que, depois de muito tempo, depois de eles terem tomado quase todo o sul da França, depois de eles terem organizado a população e os nobres do sul da França contra a Igreja, depois de tudo isso, a Igreja se organizou militarmente e os venceu. Os católicos eram 1000 (mil) homens e os cátaros, 100 mil; isto mesmo cem mil homens. O católico Simão de Monfort venceu o exército de Pedro Aragão e Raimundo de Toulouse. A isso você chama extermínio católico?????

Você diz que Jesus preferiu sofrer a violência em vez de fazê-la. Espero que você não cometa o erro, muito comum entre os protestantes (mas não só entre eles) de pensar que Jesus era pacifista (lembra de Jesus na porta do Templo expulsando os vendilhões?). Pacifistas eram exatamente os cátaros, que eram contra qualquer tipo de guerra, exceto a guerra contra a Igreja. Jesus sofreu pessoalmente a violência, como milhares de santos católicos depois d’Ele. Aliás, os santos se violentam, através da auto-flagelação, permanentemente, quando não nascem com os próprios estigmas de Cristo. Uma coisa é você se oferecer em holocausto, outra muito diferente é oferecer a Igreja ou os cristãos em holocausto. Temos todos o dever de defender a Igreja e sua Doutrina, contra os hereges; a violência deve ser a última das possibilidades, mas não deve ser descartada.

Se você pensa que a Igreja Católica é uma instituição pacifista, como o Green Peace, você se engana grandemente. (Leia Um Pensamento Simples) Quem ama o bem, tem a obrigação de odiar o mal.

Você diz: “Os sacrifícios que são exigidos dos cristãos são tão menores do que o suicídio.” Primeiramente, suicídio não é sacrifício, é seu exato contrário; é a fuga do sacrifício. Em segundo lugar, de onde você tirou que os sacrifícios exigidos de nós cristãos católicos são de pequena monta? Vejo bem que você não está considerando a santidade como uma obrigação de todo cristão, pois se estivesse, você não falaria isso. Leia a vida de um só santo – por exemplo, santo Afonso Maria de Ligório – e você entenderá o que é exigido de nós. Suspeito que você não chegou nem perto da noção do que é ser verdadeiramente católico.

Para finalizar, a Igreja nunca se desviou do Evangelho, pois foi ela que o escreveu e seu Personagem principal foi seu Fundador. Quem se desvia do Evangelho, por mais que o leia e pense entendê-lo, é quem se afasta, ou não se aproxima, da Igreja.

02/08/2010

Duas perguntas e duas respostas

Prezado Angueth,
Salve Maria,
Onde posso obter informações sobre os corpos incorruptos dos santos que participaram da Contra-Reforma?
Obrigado.
W.
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Em primeiro lugar, parabéns pelo blog.
Só uma pergunta: se só a Igreja Católica Apostólica Romana pode salvar, por que dar destaque em seu blog aos textos de C.S. Lewis, escritor anglicano e portanto protestante?
Pax Domini nostri Jesu Christi sit semper in cordibus nostris.
Luís
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Caro W.,
Talvez a melhor referência para o assunto “corpos incorruptos dos santos” seja The Incorruptibles: A Study of the Incorruption of the Bodies of Various Catholic Saints and Beati, livro publicado em 1977 pela Tan Books. Você pode também consultar a Wikipédia, embora esta referência seja menos confiável.
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Caro Luís,

Obrigado por suas palavras bondosas.

Você me faz uma pergunta interessante, que muitos me fazem. C.S. Lewis era, de fato, anglicano, portanto protestante. Mas há muitas razões pelas quais traduzi textos de Lewis e os postei em meu blog.
Primeiramente, ele tinha um grande respeito pela Igreja Católica e por Nossa Senhora; leia, por exemplo, a introdução a Mero Cristianismo. Em segundo lugar, nunca li uma linha dele contra a Igreja. Tudo que li dele é muito edificante e de grande utilidade para os católicos. Em terceiro lugar, católico significa universal e a Igreja, e sua Doutrina, sempre soube beber em fontes não-católicas, tirando daí o que havia de bom. Nós católicos devemos também fazer o mesmo. O exemplo mais grandioso disto foi a absorção da filosofia de Aristóteles, que era um pagão do mais alto nível, pela Doutrina da Igreja, por meio do extraordinário Santo Tomás de Aquino. Em quarto lugar, convenhamos que, com a crise atual da Igreja, ler C.S. Lewis é muitíssimo melhor que ler Frei Beto, Padre Fábio de Melo, Boff, Padre Joãozinho, etc.

São estas, resumidamente, minhas razões para ler e traduzir C.S. Lewis.

Obrigado a você por perguntar e me dar a oportunidade de responder a muitos.