29/09/2011

A VIDA LENDÁRIA DE SÃO DIMAS


Contam antigas lendas que a Sagrada Família, ao fugir para o Egito, quis refugiar-se, para passar a noite numa cova que, por desgraça, era uma guarida de ladrões.

O Capitão dos bandidos sentiu-se comovido ao ver a venerável bondade de S. José, a pureza e formosura da SS. Virgem e o olhar todo celeste do Menino Jesus. Acolheu-os, deu-lhes de comer e, na manhã seguinte, ofereceu-lhes pão para a viagem e, a Maria, uma bacia d'água para banhar o Menino. O capitão tinha um filhinho, da idade de Jesus aproximadamente, que se achava coberto de lepra. Nossa Senhora, correspondendo as finezas daquele homem rude e duro, mas que algo de bom tinha no coração, aconselhou-o a lavar o filhinho na água em que banhara a Menino Jesus.

Assim o fez o bandoleiro e, no mesmo instante, seu filhinho ficou curado da lepra. O capitão lembrou muitas vezes ao filho a quem devia a saúde e a vida, dizendo: "Foi o milagre dum Menino de tua idade, que seria, quem sabe, o Messias anunciado pelos profetas".

Crescendo, seguiu aquele menino o exemplo do pai, tornando-se ladrão. Preso e condenado à morte, ao subir ao Calvário, ia pensando em Jesus, seu companheiro de suplício, que era tão santo e paciente, que, sem dúvida, havia de ser o Messias, aquele mesmo Menino que o livrara da lepra. As lendas dizem que o bom ladrão se chamava Dimas e o mau, Gestas. Ambos foram condenados a morrer junto com Jesus e no mesmo suplício.

Atrás de Jesus subiram ao Calvário, levando suas cruzes. Junto com Ele foram levantados nas respectivas cruzes. Viram como os soldados repartiram  entre si as vestes do Salvador;  mas, como a túnica era de uma só peça, tiraram a sorte a ver quem a levaria. Ouviram as palavras de Cristo: "Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem".

Jesus era objeto de todos os insultos. A multidão, curiosa e soez, passava por diante d’Ele, e, movendo a cabeça em sinal de desprezo, dizia: "Vamos! tu que destróis o templo de Deus e em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo. Se és o Filho de Deus, desce da cruz..."

Todos blasfemavam e insultavam a Jesus. Mas a graça operou um milagre: Um dos ladrões, Dimas, considerando as virtudes sobre-humanas de Jesus, creu ser ele o Messias prometido e amou de todo o coração a Bondade infinita. Dirigindo-se a Gestas, o outro crucificado, repreendeu-o, dizendo: “Como não temes a Deus, estando como estás no mesmo suplicio? E' justo, na verdade, que soframos por nossos crimes, mas Jesus, que mal fez Ele?”

E cheio de esperança e com grande arrependimento disse a Jesus: "Senhor, quando chegares ao Teu reino, lembra-Te de mim". Jesus, olhando Dimas com infinita misericórdia, respondeu: "Em verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no paraíso".

Naquela mesma noite, a alma de Jesus visitou o limbo dos justos e concedeu ao bom Ladrão a vista de Deus, a felicidade eterna.


27/09/2011

O amor à Sagrada Humanidade de Jesus segundo Padre Faber.

Nota do blog: Padre Faber continua a nos falar sobre os empecilhos à vida espiritual. Depois da devoção à Nossa Senhora, ele aborda o amor à Sagrada Humanidade de Jesus. Aqui fica claro, mais que em qualquer outro lugar, como nossa religião é diferente das demais, como a espiritualidade católica difere da espiritualidade oriental, tão em moda atualmente. Aqui também se pode perceber quão escandalosa pode se tornar para o mundo a cruz de Nosso Senhor.


Talvez a devoção à sagrada Humanidade de Jesus e aos seus mistérios seja defeituosa. É bem possível, e não é tão raro quanto deveria ser. Quem pode, porém, duvidar dessa devoção, que, embora nem sempre nos deixe nas mais altas regiões da contemplação, é todavia indispensável nas fases iniciais da vida espiritual? Deve impregnar todas as camadas da vida cristã. E ser cristão significa isso e não outra coisa. Cristo é o caminho do cristão, a verdade do cristão, a vida do cristão. Levar vida santa é ser esposa do Verbo incarnado, e, portanto, o amor do Verbo incarnado é o próprio coração da santidade. O amor da sagrada Humanidade é de três espécies: uma representa os afetos interiores para com nosso Senhor; outra, as provas de sinceridade e solidez desses afetos, e outra ainda, as operações que Jesus, Ele mesmo, suscita nas almas bem dispostas. São respectivamente, amor afetivo, efetivo e passivo.

O amor afetivo de nosso Senhor consiste num desejo intenso de sua glória, numa alegre complacência no triunfo dos seus interesses e num afetuoso e nobre pesar à vista do pecado. Leva-nos a derramar a alma em confidência junto d'Ele, a queixar-nos da nossa frieza e imperfeições, a expor-Lhe nossas penas, cansaços, desgostos e provações, abandonando-Lhe tudo numa indiferença tranquila e infantil.

O amor efetivo faz-nos ver a imagem viva de Jesus, representando em nossa própria vida os estados, mistério e virtudes da Sua. Trazemos exteriormente essa imagem pela contínua mortificação, diminuindo e apertando o conforto corporal, regulando os sentidos, derrubando as exigências extravagantes do mundo e da sociedade, pela ciosa moderação dos afetos e dos prazeres inocentes, e pela perpétua repressão de toda vaidade e arrogância. Nossa vida interior é conforme à de Jesus pela liberdade de espírito que significa o desapego das criaturas e a conformidade à sua vontade. Nossas ações exteriores trazem a estampa divina quando procedemos como se fôssemos membros seus, quando fazemos todas as ações em seu nome e segundo as suas inspirações.

Não devemos, de modo geral, contar com o amor passivo, nessa fase da vida espiritual; se trato dele aqui, é mais para aprendermos a anelar pelo dia em que venha a ser nosso. É sempre animador o pensamento de quão perto de Jesus somos capazes de chegar, mesmo antes de morrer, se assim aprouver a Deus. Sua primeira operação nesse estado sobrenatural é ferir-nos a alma de amor, para que percamos o gosto de tudo que não for Ele ou d'Ele. É como se nos fosse dada uma nova natureza, tão pouco em harmonia com o mundo desgraçado que nos cerca, que desfalecemos e definhamos como se estivéssemos fora do nosso elemento. Então Deus aprofunda e embebe-nos os pensamentos, afetos, palavras e obras com o Seu amor, até ficarmos incapazes de fazer outra coisa senão O procurar, qual Esposa dos Cânticos. Todo amor, exceto o Seu, é rejeitado; toda idéia, exceto a Sua, apaga-se-nos na imaginação; tudo, enfim, que não está em relação com Ele, cai-nos da lembrança, como se nunca fora, a tal ponto que Ele possui a nossa alma inteiramente e não somos nós que vivemos, mas Ele é que vive em nós. Então abrasa-nos como o fogo do Seu irresistível amor e faz-nos dar largas aos feitos de heróica caridade e união sobrenatural com Ele. Ao mesmo tempo, aviva-nos o sentimento da nossa própria vileza, do nosso nada, de tal maneira que estamos sempre a deplorar a insignificância do nosso serviço e a falta de energia dos nossos corações. Por último, Deus lança-nos num estado de sofrimento purificador; ajusta-nos aos ombros a cruz perene e nós, então, só procuramos sofrer mais, só evitamos sofrer menos. Assim, despe-nos de nós mesmos e torna-nos inteiramente Seus. Tudo isso, porém, ainda está muito longe. Fitai os olhos atentamente no alto; não sei, porém, se conseguireis sequer ver os topos das montanhas onde tudo isso se encontra. Coragem! Já é alguma coisa saber que existem tais alturas.

Inconcebíveis são as vantagens que tiramos desses exercícios de amor do Verbo incarnado. O coração desapega-se das criaturas; o amor próprio queima-se e extingue-se; as imperfeições desaparecem; a alma enche-se do espírito de Jesus e dá passos de gigante nas veredas da perfeição. Se a brisa não nos impele as velas, verifiquemos se nosso amor para com a adorável Pessoa e a sagrada Humanidade de nosso Senhor é o que deveria ser, o que Ele espera e pede de nós; se, ao menos, cultivamos visivelmente esse amor e se nos esforçamos diariamente por dilatá-lo.

25/09/2011

Roma e a FSSPX: Michael Voris alude ao mais recente encontro.


Michael Voris, num de seus Vortex diários, “comenta” sobre o encontro de Dom Fellay e o Cardeal William Levada. Não é um comentário, mas uma digressão sobre o estado atual da Igreja. Por suas palavras, principalmente pelo que não é diretamente dito, podemos ver como a Fraternidade se destaca de tudo que existe por aí em termos de ortodoxia, de defesa da verdadeira doutrina católica. Voris, ao falar da Fraternidade, não pôde deixar de lembrar tudo o que significou o Concílio Vaticano II em termos de destruição do edifício católico. E como bom católico, ele não pôde deixar de desejar que as conversações entre a Fraternidade e Roma sejam cobertas de êxito. Este é também o meu desejo, na intenção do que rezo todas as noites, se isto for agradável a Nosso Senhor Jesus Cristo.

22/09/2011

Leitor confuso funda mais uma religião.


O blog recebe um comentário ao post Como escolher a religião verdadeira?. O leitor, Paulo Luiz Mendonça, começa se admirando: “Por que religiões! Se Deus é um só.” Acho que a exclamação seria uma interrogação. Mesmo assim, a suposta pergunta tem tudo a ver com o comentário como um todo, pois o leitor acaba fundando mais uma religião ao final do texto, quando ele afirma: “Ser religioso não é só freqüentar templos e pagar dizimo, ser religioso e ser coerente consigo mesmo, ter amor ao próximo em toda sua plenitude, ser honesto, trabalhador e se esforçar para tirar da mente os defeitos incorrigíveis que há em todos nós seres humanos, defeitos estes que são individualismo, egoísmo, egocentrismo e muitos outros tipos de falhas que nos levam a uma serie de discórdia com nossos semelhantes.

Entre o início e o final do comentário, o leitor nos fala da Bíblia, de como ela é aceita ou não pelos povos do mundo. Ele também inventa uma religião chamada cristianismo e diz que ela tem 2,1 bilhões de seguidores; e por aí vai. Diz que “os seguidores da Bíblia” não conhecem os números sobre a difusão de sua aceitação e a “seguem simplesmente por que foram orientados a seguir”. Bem, felizmente nós católicos não estamos incluídos neste comentário, pois não somos seguidores da Bíblia, mas da Igreja.

O leitor talvez seja um protestante. Fala em ser coerente consigo mesmo como a base da religião. O que quererá ele dizer com isso? Para mim é um mistério insondável.

Ele também acha que ser religioso é se esforçar por vencer nossos defeitos incorrigíveis; aqui há uma pequena contradição em termos, mas passemos adiante. Ele não acha que nossos defeitos nos privarão do céu, ou nos levarão para o inferno. Não, ele acha apenas que eles nos levam a uma “série de discórdia com nossos semelhantes.” Não é legal a religião do Paulo Luiz Mendonça?

Paulo, você começa perguntando: Por que religiões? Ora, é porque existem muitos Paulos por aí, de miolo mole, que acha que é capaz de, sozinho, fundar uma religião só sua, em torno de conceitos que mais parecem espirros mentais. Converta-te ao catolicismo, caro leitor! Lá tu encontrarás todos os conceitos que te faltam para tornar possível alguma coerência em teu discurso. Além disso, tu encontrarás também a explicação de porque devemos amar o próximo, ser honestos, lutar contra nossos pecados. Saberás também que nossos defeitos não estão apenas em nossa mente, mas na nossa carne, na nossa alma. Saberás por fim, que Deus não é um, mas Uno e Trino. Descobrirás que o catolicismo é a única religião que salva, porque é a única que te pode perdoar os pecados, que nunca deixarás de cometer.

18/09/2011

Devoção ao Sagrado Coração de Jesus

Estamos tendo a graça de fazermos, desde a primeira sexta-feira de setembro, a devoção das nove primeiras sextas-feiras do mês, com celebração da Missa Tridentina, aqui em Belo Horizonte. As celebrações acontecem na Capela do Colégio Monte Calvário, às 19h30, sendo que o padre atende confissões a partir das 19h. O endereço do colégio é Av. do Contorno, 9384 - Barro Preto (próximo ao Hospital Felício Rocho). Gostaria de convidar  a todos a seguir tal devoção, pois as promessas de Cristo são extraordinárias.

A mensageira do Nosso Senhor para as revelações relativas a esta devoção foi a extraordinária Santa Margarete (ou Margarida) Maria Alacoque, que na segunda metade do século XVII, no Mosteiro de Paray-le-Monial na França, mosteira da Congregação da Visitação, (fundada por São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal) tem visões de Nosso Senhor, durante as quais Ele lhe transmite a Sua mensagem ao mundo. Quem não conhece a história desta santa, pode conhecer um pouco dela assistindo o vídeo abaixo. Santa Margarida Maria Alacoque, rogai por nós!

14/09/2011

Quansah Rama Hannukah Dam: um Natal na casa de Stanford Nutting

O que vocês verão no vídeo abaixo é um Natal politicamente correto, inclusivo, sem a comemoração do nascimento de ninguém; um simples feriado sem razão de ser. Claro que tudo é temperado pelo inimitável humor de Stanford Nutting, que agora nos apresenta sua família, com realce para seu sobrinho Tommy, que acaba de ser crismado; ele é uma figura! Divirtam-se!



12/09/2011

50 anos de Vaticano II: Simpósio Gaysista na PUC do Pernambuco

O leitor Manoel Carlos pede ao blog para denunciar que "haverá um simpósio gay na universidade católica de pernambuco". Denuncio também a criação de um novo direito, já que o simpósio tem como tema o "Direito Homoafetivo". Este direito surge de uma opção, o que é uma novidade e tanto no campo do Direito.

Aproveito para sugerir a todos a leitura de Goodbye, Good Men: How Liberals Brought Corruption into Catholic Church (Adeus aos Homens Bons: Como os Esquerdistas Trouxeram a Corrupção para dentro da Igreja Católica), de Michael S. Rose. O livro trata da infiltração orquestrada de gays nos seminários católicos dos EUA. Alguém ainda pode dizer que não entende os recentes escândalos sexuais na Igreja?

Mas a Igreja devastada pelo Vaticano II não cansa de inovar e agora abriga numa de suas instituições tal simpósio. O FratresInUnium já havia noticiado o fato, quando comentava sobre a impoluta figura do Bispo (que tristeza ter tal prelado como sucessor dos apóstolos! Santa Margarete Maria Alacoque, rogai por nós!)  de Olinda e Recife.

Aqui em Minas, numa propaganda de rádio da PUC, ouvimos um professor dando uma aula de história e dizendo mais ou menos o seguinte: "E então o iluminismo rompeu com as idéias antigas e modernizou o mundo...". Muito simbólico para a propaganda de uma PUC!!!! O iluminismo, vocês sabem (alguém já disse isso; não me lembro quem) foi aquele período com excesso de iluminadores e escassez de luz.

Os moderninhos dirão que isto não é culpa do Vaticano II, mas de um bispo desvairado. E eu respondo: Hum, hum!

10/09/2011

Uma crítica inconsistente a uma "crítica inconsistente".

Um leitor, de nome Kallel, escreve o seguinte comentário ao post Opondo-se à heresia austríaca:

Eu percebi que o texto, mais do que proferir uma crítica à escola Austríaca, critica os Pensadores dela pois são ataques à opinião particular de cada qual a respeito de assuntos como crença, espiritualidade, entre outros...como se todo ser humano que fosse a favor do aborto fosse também do 'eixo do mal'. Toda crítica é bem vinda, desde que tenha consistência argumentativa e que seja focada nas idéias acadêmicas. No caso do artigo, as críticas são aos indivíduos... parece preconceito!


Caro Kallel,

Quando se expõe uma heresia, como Christopher Ferrara faz no artigo citado, deve-se tratar das idéias dos heresiarcas que fundaram e alimentam a heresia. Deve-se analisar as idéias dos indivíduos proeminentes que influenciaram e influenciam todos os hereges que subscrevem a heresia. Isto foi exatamente o que fez Ferrara, com competência. Aliás, este autor lançou ano passado, um livro intitulado A Igreja e o Libertário, que trata justamente do tema da economia sob o ponto de vista da Igreja Católica. Ferrara não é um crítico qualquer!

Você parece considerar que a religião é uma questão de opinião e nada mais: “assuntos como crença, espiritualidade, entre outros...”. Ora, estes são os temas mais importantes que o homem pode enfrenta e em defesa dos quais todos os eventos do mundo são movidos. A questão da religião é a questão sobre o TODO. Chesterton já dizia, em Hereges, que:

Tendemos cada vez mais a discutir detalhes em arte, política e literatura. A opinião de um homem sobre os bondes tem importância; sua opinião sobre Botticelli tem importância; sua opinião sobre todas as coisas não tem importância. Ele pode se virar e explorar milhões de objetos, mas ele não deve encontrar aquele objeto estranho, o universo; porque se ele o fizer, ele terá uma religião, e estará perdido. Tudo tem importância, exceto o todo.

Você parece ser este tipo de homem que acha que há verdade na entomologia, mas não na religião.

Você diz que a crítica de Ferrara não é consistente, mas não apresenta prova nenhuma disso e, por isso, a sua crítica é inconsistente. Quanto às idéias acadêmicas, não sei do que você fala. Se for da Academia moderna, esqueça. Esta instituição já foi para o brejo há muito tempo. Quase podemos afirmar que só existe vitalidade intelectual atualmente fora da “academia”; dentro só há idéias mortas ou mortais.

Sua observação sobre o aborto é com efeito surpreendente. Quem é a favor do aborto pode não ser do “eixo do mal”, pode ser ingênuo, pode estar mal informado, pode acreditar em aquecimento global, em evolução, estas coisas que alguém acredita quando não tem capacidade de pensar. Mas esse indivíduo está muito próximo do “eixo do mal” e certamente sua ignorância não é invencível, pois ele é favorável ao assassinato de pessoas inocentes e indefesas no mais alto grau. É não só um assassino em potencial (e às vezes, real), mas um covarde, um verdadeiro pulha e um grande candidato a uma vaga no Inferno. Sim, ele pode ser simpático, bonitinho, engomadinho, intelectualzinho, academicozinho. Mas é, acima de tudo, um ser que não dá o mínimo valor às coisas mais importantes da vida.

04/09/2011

Chesterton versus Nietzsche: leitor sugere e blog acata.

Um leitor anônimo, que depois se identificou por email, sugere, por meio de um comentário ao post Há 80 anos, Chesterton “picava” Clarence Darrow em mil pedaços num debate atualíssimo, o seguinte: “Honraria mais Chesterton (e ele merece) se confrontado com Nietzsche, por exemplo. Melhoria o "nível" do debate. Fica a respeitosa sugestão.
 
Sugestão feita, sugestão aceita. Vou tentar listar abaixo alguns trechos de Chesterton em que ele debate com Nietzsche e seus discípulos. Uma palavra prévia: a honra é toda de Nietzsche, não de Chesterton.

Nietzsche morreu em 1900 e Chesterton começou a escrever profissionalmente um pouco depois disso. Assim, ele não poderia ter debatido diretamente com o filósofo alemão. Contudo, ele percebeu bem a natureza maligna de sua filosofia e a debateu com todos os seus defensores, principalmente Shaw e Wells, mas não só. Vamos aos poucos trechos que escolhi.

Em Hereges, no capítulo dedicado a Bernard Shaw, Chesterton diz, por exemplo:

“Um sentimento de superioridade nos mantém calmos e práticos; os meros fatos fariam nossos joelhos tremerem com temor religioso. É o fato de que cada instante de vida consciente é um prodígio inimaginável. É o fato de que cada face nas ruas tem a incrível imprevisibilidade de um conto de fadas. A coisa que impede um homem de perceber isso não é qualquer clareza mental ou experiência, é simplesmente o hábito das comparações pedantes e fastidiosas entre uma coisa e outra. O Sr. Shaw – do lado prático, um dos homens vivos mais humanos – é, neste sentido, desumano. Ele foi até mesmo infectado, em algum grau, com a principal fraqueza intelectual de seu novo mestre, Nietzsche: a estranha noção de que quanto maior e mais forte fosse um homem, mais ele desprezaria as outras coisas. Quanto maior e mais forte é um homem, mais ele se prostra diante de um molusco.”

“E agora me lembro que o Sr. H.G. Wells realmente escreveu um divertido romance sobre homens que tinham o tamanho de árvores; e que aqui, de novo, ele me parece ter sido vítima desse vago relativismo. “O Alimento dos Deuses” é, como na peça do Sr. Bernard Shaw, em essência um estudo da idéia do Super-homem. E se abre, penso eu, mesmo sob o véu de uma alegoria semi-pantomímica, ao mesmo ataque intelectual. Não se pode esperar que tenhamos qualquer consideração por uma grande criatura a não ser que se conforme, de alguma maneira, aos nossos padrões. Pois se ultrapassa nossos padrões de grandeza, não podemos sequer chamá-la de grande. Nietzsche resumiu tudo o que é interessante na idéia do Super-homem quando disse: ‘O homem é uma coisa que tem de ser superada.’ Mas a própria palavra “superada” implica a existência de um padrão a nós comum e a coisa nos superando. Se o Super-homem é mais másculo que os homens, estes vão, claro, deificá-lo mais cedo ou mais tarde, mesmo que aconteça que o matem primeiro. Mas se ele é simplesmente mais super-másculo, eles podem lhe ser indiferentes como o seriam com uma monstruosidade aparente e despropositada. Ele deve se submeter ao nosso teste mesmo que seja para nos apavorar. A mera força ou tamanho são, em si, um padrão; mas sozinhos nunca farão os homens pensar que um homem seja superior. Os gigantes, nos antigos e sábios contos de fadas, são canalhas. Super-homens, se não forem bons homens, são canalhas.”

“Sem dúvida há uma melhor e mais antiga forma de adoração do herói. Mas o herói antigo era um ser que, como Aquiles, era mais humano que a própria humanidade. O Super-homem de Nietzsche é frio e sem amigos. Aquiles gosta tão loucamente de seus amigos que massacra exércitos na agonia de seu luto. O triste César do Sr. Shaw diz no seu desolado orgulho, “Aquele que nunca teve esperança nunca pode se desesperar.” O Homem-Deus do passado responde de sua horrível colina, “Há dor semelhante à minha dor?[1] Um grande homem não é um homem tão forte que menospreze outro homem; é um homem tão forte que o preza mais. E quando Nietzsche diz, “Eu lhe dou um novo mandamento, ‘seja duro’”, ele estava, na realidade, dizendo, “Eu lhe dou um novo mandamento, ‘esteja morto’.” Sensibilidade é a definição da vida.”

“Essa fuga da brutal vivacidade e variedade dos homens comuns é, claro, uma coisa perfeitamente razoável e desculpável, desde que não se aspire a qualquer nível de superioridade. Quando ela chama a si mesma de aristocracia, esteticismo, ou uma superioridade em relação à burguesia é que sua fraqueza tem de ser justamente salientada. Fastio é o mais perdoável dos vícios; mas a mais imperdoável das virtudes. Nietzsche, que representa mais proeminentemente essa alegação pretensiosa de fastio, apresenta em algum lugar uma descrição – uma poderosa descrição no sentido puramente literário – do desgosto e desdém que o consome ao olhar pessoas comuns com seus rostos comuns, suas vozes comuns e suas mentes comuns. Como já disse, essa atitude é quase bela se pudermos considerá-la patética. A aristocracia de Nietzsche possui toda a sacralidade que pertence ao fraco. Quando nos faz sentir que não pode suportar os inumeráveis rostos, as incessantes vozes, a massacrante onipresença característica da multidão, ele terá a compreensão de qualquer um que tenha estado doente num trem ou cansado num ônibus. Todo homem odeia a humanidade quando se sente menos que um homem. Todo homem já teve seus olhos cegados pela humanidade como por uma neblina, já teve a humanidade em suas narinas como um fedor sufocante. Mas quando Nietzsche demonstra a incrível falta de bom-humor e de imaginação para nos instar que acreditemos que sua aristocracia é uma aristocracia de músculos fortes ou uma aristocracia de vontades fortes, é preciso enfatizar a verdade. É uma aristocracia de nervos fracos.”

No capítulo sobre a aristocracia e sua representação literária, Chesterton diz no mesmo livro, de forma esplêndida:

Se alguém deseja encontrar um argumento realmente efetivo, abrangente e permanente a favor da aristocracia, descrito de maneira correta e sincera, faça-o ler, não os modernos filósofos conservadores, nem mesmo Nietzsche, faço-o ler as Bow Bells Novelettes.[2] Nietzsche e as Bow Bells Novelettes têm obviamente o mesmo caráter; ambos adoram o homem alto, de bigodes crespos e corpo hercúleo, e ambos adoram-no de uma maneira algo feminina e histérica. Mesmo aqui, contudo, a novellete facilmente mantém sua superioridade filosófica, porque atribui ao homem forte aquelas virtudes que comumente lhe pertencem, tais como indolência, brandura, uma benevolência assaz despreocupada e um grande desgosto em ferir o mais fraco. Nietzsche, ao contrário, atribui ao homem forte aquele desdém para com a fraqueza que somente existe entre inválidos. Não é, contudo, dos méritos secundários do grande filósofo alemão, mas dos méritos primários das Bow Bells Novelletes que pretendo agora falar.” 


“Todos devem ter notado nos mais recentes escritores a sobrevivência de um assaz dolorido modo de piedade. Eles não mais honram todos os homens, como São Paulo e outros democratas místicos. Não seria muito dizer que eles desprezam todos os homens; quase sempre (para fazê-los justiça) inclusive eles mesmos. Mas eles se apiedam, em certo sentido, de todos os homens, e particularmente daqueles que são dignos de piedade; atualmente eles estendem este sentimento quase desproporcionalmente a todos os animais. Essa compaixão pelos homens tem também a mancha de sua conexão histórica com a caridade cristã; e mesmo no caso dos animais, com o exemplo de muitos santos cristãos. Nada indica que um novo recuo de tais religiões sentimentais não libertará os homens até da obrigação de se apiedarem da dor do mundo. Não apenas Nietzsche, mas muitos neo-pagãos seguindo suas idéias, sugeriram tal insensibilidade como a mais alta pureza intelectual. E tendo lido muitos poemas modernos sobre o Homem do Futuro, feito de aço e iluminado com nada mais cálido do que o fogo verde, não tenho dificuldade de imaginar uma literatura que se orgulhasse de um desapego impiedoso e metálico. Então, talvez, fosse vagamente conjeturado que a última das virtudes cristãs morrera. Mas enquanto elas viveram, houve cristãos.”

Em seus 30 anos de The Illustrated London News, Chesterton frequentemente se referia a Nietzsche e seus asseclas, contra os quais ele sempre oferecia o senso comum tomista e a doutrina católica. Deixo aqui, para terminar, um trecho de um artigo no ILN, de 8 de março de 1924, intitulado Perseguição da Religião:

“É muito menor loucura esperar o fim do mundo para breve do que esperar o Super-homem para breve. Ainda assim, quantos evolucionistas fervorosos de nosso tempo escreveram seriamente como se o Super-homem fosse surgir na próxima semana? As coisas chegam realmente ao fim; e uma coisa projetada é geralmente reexaminada pelo projetista quando chega ao fim. Um homem que planta uma azaléia a vê florescer e fenecer e manifesta-se sobre o experimento; e não há nada irracional com um dia de julgamento, pressupondo um projeto. Mas não há nada no mundo a mostrar que uma azaléia por si mesma desenvolver-se-á em uma super-azaléia com todas as cores do arco-íris, apenas porque essa seria uma planta superior. O Super-homem foi apenas e tão somente um fantasma evocado do vazio pela imaginação de um louco; um homem literalmente louco chamado Nietzsche. Mesmo assim, quão vívida essa visão completamente absurda se tornou para muitos de nossa hesitante e débil geração! E a coisa mais estranha de todas é que tenham sido assim enfeitiçados alguns dos melhores cérebros.”


[1] Lamentações, 1:12. (N. do T.)
[2] Bow Bells Novelettes eram histórias curtas, melodramáticas, sensacionalistas e de grande sucesso, escritas por John Dicks para atingir a classe trabalhadora da Inglaterra vitoriana. (N. do T.)