Advento, 2017
dezembro 8, 2017 - lorenamcutlak
“Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou…”
“O meu misticismo é não querer saber.
É viver e não pensar nisso.”
Alberto Caeiro, “O Guardador de Rebanhos”, poemas VI e XXX, respectivamente.
*
Estive relendo Alberto Caeiro, um dos poetas da minha adolescência; e dessa vez com mais interesse do que antes.
Em menina, uns quinze anos atrás, ele não era das minhas leituras mais intensas; nunca me demorei nos seus poemas, que por motivos então obscuros me pareciam “sem sal”. Meu favorito, no universo pessoano, sempre foi o ortônimo.
Hoje Caeiro me chama particularmente a atenção, e o leio com um misto de tédio e angústia, por reconhecer que ainda há muito do que ele diz sedimentado no que eu sou. E ao mesmo tempo percebo, com clareza renovada, que era mesmo inevitável que me tornasse cristã.
Querer a docilidade das plantas, mas não como uma entrega abnegada ao que tiver de ser e vir, antes como quem se fecha à possibilidade de sofrer: é isso, no fundo, o sensacionismo de Caeiro. O olhar de quem busca ver na flor somente a flor e no sol somente o sol, recusando obstinadamente reflexões e metáforas, é tão nítido quanto limitado. Reduzir a vida ao que nos chega de forma bruta pelos sentidos, ser apenas o que se é a cada momento, ir sendo, sem pensar, ir sendo…
Medo, um medo enorme de sofrer. Mas eu nunca entendi que se pudesse desejar a serenidade das pedras. Já na adolescência aquilo me parecia excessivamente morno e, em seu fundamento, irreal. Mesmo quando maravilhada pelo som e pelo ritmo tão envolventes daquelas palavras, era claro que estava diante de uma tentativa de fuga.
A filosofia de Caeiro é apenas um exemplo entre tantos de como os homens tentam driblar a dor por meio de racionalizações fajutas. E é inevitável que seja uma filosofia anti-cristã, pois a religião da cruz, antes de ser religião, antes de tornar-se credo, veio ao mundo justamente como a radicalização da dor: o Deus chagado, humilhado, crucificado, que levou ao extremo em sua própria carne todas as mágoas de que humanamente nos queixamos e nos deu testemunhar Sua Dor para nos ensinar a vivenciar a nossa.
Nunca será diferente: sempre vai doer. Em todos nós. De todos os modos possíveis. Essa é a realidade da experiência humana, e modificá-la não é uma questão de imitar a passividade das folhinhas trêmulas das árvores. Nem é o caso, na verdade, de “modificá-la”. Podemos alterar a fachada do edifício, mas os alicerces vão muito além de nossos pueris sensacionismos.
A única resposta razoável para o problema do mal é o Cristo, e está aí, à guisa de demonstração, a literatura de Dostoiévski. Os males que nos sucedem são fundamentalmente de dois tipos: os que nos acometem pessoalmente e os que acometem aqueles que amamos. Todas – repito: todas – as chagas da humanidade estão contempladas no sofrimento e morte de cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo e na dor imensurável de sua Mãe Santíssima.
Sim, o papel de Maria na pedagogia da cruz é central. Quantas vezes nos sentimos feridos, não tanto em nossa integridade pessoal, mas em nosso senso de justiça, diante do mal feito a outrem? E quando esse outro é a pessoa que mais amamos no mundo – existe dor maior?
Jesus e Maria, juntos, nos dão a medida máxima da dor humana e nos mostram por que, e como, suportá-la. É uma lição dificílima, por mais didático que seja o exemplo. Mas está tudo aí – tudo aquilo de que Alberto Caeiro foge como se fosse o próprio diabo (e não é?); está tudo aí, para quem tiver olhos, não apenas os olhos da face, mas aqueles olhos metafóricos, produtos da maturação do espírito, que nos ajudam a tatear os caminhos misteriosos da Criação.
Deus quis, sim, que o conhecêssemos, e não apenas enquanto ente maravilhoso e inabarcável, mas de um modo que, para nós, haver Deus fizesse sentido… Ele Se nos mostrou tão perfeita e inegavelmente Deus – doendo, humanamente doendo – , que o único modo de não O ver desde então é fechar os olhos e “não pensar nisso”.
Essa reflexão meio críptica, meio literária, é meu modo de desejar um feliz Advento aos amigos, especialmente aos que se desejariam mortos por dentro como Alberto Caeiro, julgando haver nisso algum tipo de felicidade.
Que o Menino Jesus nasça no coração de cada um de nós e retifique nossos caminhos.
3 comentários:
Ilustre Angueth Salve Maria!
Recentemente o Papa canonizou clérigos e populares chamados Mártires de Cunhaú e Uruaçu ou Protomártires do Brasil. Como são vários os mártires, gostaria de saber(perdoe a minha ignorância) como posso referir a eles em minhas recitações nas orações do Rosário? Teria de ser nome por nome ou simplesmente Mártires de Cunhaú e Uruaçu? Há alguma semelhança com os Mártires Cristeros? Como recitar os nomes dos Mártires Cristeros nas Orações do Rosário? Seria recitando o nome de um por um ou simplesmente Mártires Cristeros?
Desde já agradeço a sua compreensão e esclarecimentos.
Eduardo
Caro Eduardo, salve Maria!
Quanto são dois ou três mártires, refira-se a eles pelos nomes individuais; quando são muitos, use a expressão do coletivo. É o costume do martirologio católico.
Fique com Deus.
Que belíssimo esse texto!
Que bálsamo ler algo assim nos dias atuais!
Obrigado por compartilhar.
Flavio
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